TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
513 acórdão n.º 385/17 não ser privado da possibilidade de defesa perante os órgãos judiciais na discussão de questões que lhe digam respeito». A garantia do processo equitativo comporta também uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. Com efeito, o processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência dos atos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar com certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos atos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica. Assim, um processo equitativo é também um processo previsível. Uma forma processual só é justa quando o conjunto ordenado de atos a praticar, bem como as formalidades a cumprir, tanto na propositura, como especialmente no desenvolvimento da ação, seja expresso por meio de normas cujos resultados sejam previsíveis e cuja aplicação potencie essa previsibilidade. Para que haja previsibilidade são, porém, necessá- rias duas condições: que o esquema processual fixado na lei seja capaz de permitir aos sujeitos do processo conhecer os poderes e deveres que conformam a relação processual; e que haja univocidade de interpretação das normas processuais. É que se os sujeitos do processo não se encontram em condições de compreender e calcular previamente as consequências das suas ações, o processo é inidóneo à realização da tutela jurídica. A idoneidade funcional do processo implica, pois, que ele seja construído em termos de possibilitar aos sujeitos processuais o conhecimento das normas com base nas quais calculam o seu modo de agir. Quando o sentido textual da norma é controverso, e por isso carecido de interpretação, a previsibilidade indispensável à segurança jurídica só será alcançada se a interpretação judicial tender a um único signifi- cado. Não obstante inexistir revelação legislativa através de sentenças, a uniformidade de interpretação pode aproximar-se do ideal de previsibilidade se for capaz de eliminar as dúvidas interpretativas. De modo que a previsibilidade das consequências jurídicas derivadas da prática dos atos processuais pressupõe univocidade em relação ao sentido e alcance das normas que preveem a prática desses atos. Neste caso, em que a previsi- bilidade também depende da interpretação judicial da norma, é evidente que o resultado dessa interpretação tem que ser suficientemente firmada na comunidade jurídica, incluindo a não especializada, para que os operadores do foro não fiquem surpreendidos com a nova orientação jurisprudencial. Por isso mesmo, a interpretação judicial só tem plena capacidade de previsibilidade se ela própria, para além de garantir um conhecimento preciso e exato do sentido jurídico interpretando, adquirir estabilidade necessária a gerar a confiança dos sujeitos processuais. É certo que a comunidade jurídica não está desvinculada do seu dever de informação quanto às orienta- ções uniformes adotadas pelas decisões judiciais. Mas a “desatenção” perante modificações inesperadas, senão forçadas, ainda não suficientemente sedimentadas no sistema jurídico, não pode ter como consequência a perda de direitos. A construção de um sistema jurídico-processual racional requer instrumentos que possi- bilitem a realização segura dos direitos, sem instabilidade. Mas a tutela jurisdicional efetiva assegurada pelo justo processo não pode ficar comprometida por uma uniformização jurisprudencial suscetível de constituir, ela mesmo, um fator de insegurança. 13. Ora, a interpretação normativa impugnada contende com as exigências de cognoscibilidade, calcu- labilidade e previsibilidade inferíveis do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. O acórdão recorrido limitou-se a aplicar o critério jurídico fixado no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/12 a um processo que já se encontrava pendente à data em que o mesmo foi publicado
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=