TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
512 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL incumprimento dessa exigência, por efeito da discrepância dos prazos aplicáveis em relação a cada um dos mecanismos processuais em presença, traz uma consequência irremediável e desproporcionada à gravidade da falta, tornando na prática inviável o direito a uma reação jurisdicional contra a decisão. 12. O princípio do processo equitativo, decorrente do princípio do Estado de direito e consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, limita as escolhas legislativas na concreta estruturação do processo. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira «(o) significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efetiva» ( Constitui- ção da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 415). A expressão «processo equitativo» unifica assim um grupo de garantias referentes ao modo como o processo deve ser configurado. Enquanto o direito à tutela jurisdicional justifica a existência do próprio processo, a exigência de que o pro- cesso equitativo limita às configurações possíveis do respetivo procedimento. De modo que a garantia do processo justo ou equitativo constitui o princípio constitucional que mais intensamente vincula o legislador na conformação das formas de processo. A Constituição só por si não concretiza o conceito de “processo equitativo”, fazendo-o, em parte, apenas quanto às garantias de defesa em processo penal. Trata-se de um conceito “intencionalmente aberto” que pode aplicar-se «em qualquer situação em que se conclua que o processo não está estruturado em termos que permitam, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e uma decisão da causa ponderada» (cfr. Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 441). O núcleo essencial do princípio do processo equitativo tem sido determinado através de outros valores e princípios constitucionais, como os princípios do Estado de direito, do acesso ao direito, da igualdade, da segurança jurídica, da confiança e da proporcionalidade (Acórdão n.º 413/10). Assim, no conteúdo do processo equitativo pode incluir-se, para além do direito à obtenção de uma decisão em tempo razoável, expressamente previsto no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, o direito à igualdade de armas ou o direito à igualdade de posições no processo, o direito ao contraditório ou proibição de indefesa, o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, o direito à fundamentação das decisões, o direito ao conheci- mento e à previsibilidade dos dados processuais, o direito à prova, e o direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas restrições formais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 415-416). Na densificação do conceito de processo justo ou de processo equitativo a jurisprudência do Tribunal Constitucional também utiliza os referidos princípios constitucionais como parâmetros de organização e disciplina do processo, pronunciando-se pela inconstitucionalidade de normas processuais, por violação dos princípios: (i) da igualdade (Acórdãos n. os 279/00, 453/02 e 490/05); da igualdade de armas (Acórdãos n. os 516/93, 497/96, 582/00, 538/07); do contraditório (Acórdão n.º 209/04); da proibição de indefesa (Acórdãos n. os 156/03, 287/03, 658/06); e da confiança (Acórdãos n. os 678/98, 485/00, 183/06, 335/06, 56/03). No Acórdão n.º 20/10 o Tribunal considera que «(É) já firme o conteúdo que a jurisprudência do Tribunal tem conferido a este princípio do processo equitativo, reconhecido no artigo 20.º da CRP. Como se disse no Acórdão n.º 271/95 – retomando jurisprudência já fixada nos Acórdãos n. os 404/87, 86/88 e 222/90, in Diário da República , II Série, respetivamente, de 21 de dezembro de 1987, 22 de agosto de 1988 e 17 de setembro de 1990 – o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (que encerra entre nós um conteúdo similar àquele que, noutros lugares, é conferido ao princípio do due process of law ) inclui, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com a observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras. Quer isto dizer, fundamentalmente, que no âmbito de proteção normativa do artigo 20.º da CRP se integrarão, além de um geral direito de ação, ainda o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso e o direito a um processo justo, no qual se incluirá, naturalmente, o direito da cada um a
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