TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

511 acórdão n.º 385/17 conforme a relevância material do caso concreto, criando-se uma situação de instabilidade e imprevisibili- dade quanto aos meios reativos às decisões singulares proferidas nos tribunais de primeira instância. Ora, se é certo que ao Tribunal Constitucional não compete sindicar o modo com o direito infraconsti- tucional é interpretado, não pode deixar de ponderar, na apreciação da constitucionalidade de uma determi- nada interpretação normativa, as consequências que advêm para a parte por ela afetada. Neste contexto, a perda do direito ao recurso como efeito irremediavelmente preclusivo da não apresen- tação de prévia reclamação para a conferência em relação a decisões de mérito do juiz singular constitui obje- tivamente um ónus excessivamente oneroso, face à dúvida pertinente quanto à interpretação dos textos legais e ao próprio caráter inovatório do regime legal, quando aplicável a tribunais administrativos de primeira instância. O que surge reforçado pelo facto de, na interpretação normativa sindicada, a decisão de mérito ter sido proferida sem menção expressa do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA, e sem suficiente explicitação quanto ao uso da competência decisória como juiz relator, ao abrigo dessa disposição. Além de que o ónus processual imposto à parte se reveste de maior imprevisibilidade face à prática jurisprudencial pacífica que foi seguida durante vários anos e acarreta uma consequência desproporcionada em relação à relevância da falta, mormente quando desprovida da possibilidade de convolação do recurso em reclamação para a conferência. 11. A interpretação normativa impugnada não põe em causa o direito ao recurso enquanto expressão do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP. No Acórdão n.º 846/13 o Tribunal Constitucional argumentou que «segundo a interpretação sindicada, a parte vencida não pode interpor recurso da decisão singular do relator, mas pode reclamar dela para a con- ferência, o que lhe assegura uma segunda apreciação da questão por uma formação do mesmo tribunal com uma composição alargada e não lhe elimina o direito de posteriormente interpor recurso para um tribunal superior desta segunda apreciação». Assim – acrescenta-se –, «a exigência de reclamação para a conferência, não só não impede a intervenção de um segundo grau de jurisdição, como reforça o número de reapreciações das questões em discussão, pelo que não tem qualquer fundamento a invocação duma violação ou sequer duma restrição do direito ao recurso». Sem dúvida que não há, neste contexto, uma violação do direito ao recurso – que tinha sido também invocado pela recorrente como parâmetro de constitucionalidade no presente caso –, nem é possível ques- tionar o entendimento expresso nesse outro acórdão. A reclamação para a conferência, em si, não prejudica nem preclude a possibilidade de interposição de recurso, que sempre poderá ser dirigido ao tribunal hierar- quicamente superior contra a decisão tomada em conferência que tenha confirmado o julgado pelo relator. Mas a exigência de um meio processual que tenha uma natureza meramente formal ou instrumental para abrir caminho à ulterior interposição de recurso jurisdicional – quando este é o meio próprio para dis- cutir a complexidade das questões jurídicas colocadas pela sentença –, não deixa de pôr em causa o princípio do processo equitativo, entendido este como a conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela jurisdicional efetiva.  Isso porque não constitui um ónus razoável e funcionalmente adequado impor à parte a dedução prévia de reclamação para a conferência, ainda que em termos meramente perfunctórios, apenas para salvaguardar a possibilidade de utilizar um prazo mais longo de recurso para reagir em termos mais substanciais e fun- damentados ao conteúdo desfavorável da decisão; e porque a exigência formal de prévia reclamação para a conferência em processo de primeira instância, sem precedência de qualquer despacho que fundamente a simplicidade da sentença a proferir, e em contradição com as normas específicas em matéria de recursos jurisdicionais e com a orientação jurisprudencial seguida durante anos põe em causa a previsibilidade do ónus processual. A situação de indefesa em que as partes surpreendentemente podem ser colocadas afeta a confiança que depositam no ordenamento jurídico regulador dos meios de defesa dos seus direitos, confiança essa que é tutelada pelo princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. Além de que o

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