TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. O Tribunal Constitucional tem dito que as normas processuais, como decorrência do princípio do processo equitativo, não podem impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada (Acórdãos n. os 468/01 e 260/02). Nesse sentido, no Acórdão n.º 620/13 reitera-se que «(A)pesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcio- nalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incum- primento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos». Dentro dessa mesma linha de entendimento, o Tribunal considera que não pode deixar de ponderar, na apreciação da questão de constitucionalidade, e para aferir da previsibilidade da interpretação normativa adotada, as orientações jurisprudenciais que são seguidas, de forma pacífica, maioritária ou suficientemente sedimentada, quanto aos textos legais que devam ser aplicados (Acórdão n.º 413/02). De modo que nada obsta a que se tenha em devida consideração como fatores de ponderação aplicáveis à análise dos parâmetros de constitucionalidade, independentemente de integrarem o conteúdo normativo do recurso, a prática juris- prudencial que reiteradamente foi seguida durante vários anos quanto à admissão de recurso jurisdicional de decisões proferidas pelo relator em primeira instância. 11. Como se referiu, a interpretação impugnada criou um obstáculo processual à interposição de recurso jurisdicional direto de uma sentença de mérito proferida em primeira instância. A imposição do ónus de reclamação para a conferência nos tribunais de primeira instância constituiu uma inovação no processo administrativo sem paralelo nos demais processos. A reclamação para a conferência era um meio impugna- tório, funcionalmente diferente do recurso, que apenas tinha aplicação em sede de segunda instância, não na primeira. Nem é aceitável um entendimento que considere esse ónus processual facilmente discernível do texto da lei. O n.º 2 do artigo 27.º do CPTA refere-se a «despachos» e não a «sentenças», que são categorias de atos do juiz estruturalmente diferentes: a sentença, um ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente; o despacho, uma decisão que não respeita ao fundo da causa (artigo 152.º do CPC). Perante a letra da lei, a reclamação para a conferência constituiu assim um ónus imprevisível, com o qual os interessados em recorrer não podiam contar. É certo que o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/12 pretendeu minimizar, no que foi possível, divergências interpretativas sobre o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA. Só que a interpretação fixada nesse acórdão não chegou sequer a adquirir a estabilidade jurídica suficiente para assegurar às partes o máximo de confiança e previsibilidade no uso dos meios impugnatórios das decisões sumárias dos tribunais de primeira instância tomadas em juiz singular. Como vimos, o critério jurídico revelado por esse acórdão suscitou ele próprio dúvidas interpretativas, incoerências e contradições de difícil superação no plano infraconstitucional. A interpretação fixada no acór- dão não só está em contradição insanável como a norma do n.º 1 do artigo 142.º do CPTA, que garante o recurso das decisões de mérito de primeira instância, independentemente da sua autoria singular ou coletiva, como foi infirmada por ulterior jurisprudência do STA com a contra-argumentação de que o artigo 27.º não se aplica aos tribunais de primeira instância. Acresce que o alcance da norma fixada no acórdão de uni- formização foi continuamente adaptado e corrigido, nuns casos extensivamente e noutros restritivamente,
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