TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

509 acórdão n.º 385/17 questões a decidir, o que explica que o legislador tenha sido sensível a considerações de celeridade e economia processual. Na verdade, à semelhança do que sucede quando esteja em causa o exercício de poderes do relator na fase de preparação do julgamento em recurso cível, a redução substancial do prazo de reclamação para a con- ferência pressupõe que estejam em causa meras questões processuais (correção da qualificação do recurso, seu efeito ou regime de subida, suspensão da instância de recurso ou extinção por causa diversa do julgamento, junção de documentos ou realização de diligências, julgar findo o recurso por não conhecimento) ou, no caso de decisão de mérito respeitante à própria procedência ou improcedência, que se trate de decisão sumária ou liminar, justificada pela existência de precedentes jurisprudenciais ou pelo caráter ostensivo da falta de funda- mento do recurso. Mesmo que esteja em causa uma decisão sobre o mérito da causa, parte-se da ideia de que o prazo geral é suficiente para permitir elaborar a reclamação para a conferência, sem risco de pôr em causa o processo equitativo, por se entender que a decisão sumária assenta necessariamente numa fundamentação que é já do conhecimento geral, por resultar de jurisprudência consolidada, ou é facilmente apreensível pelo interessado por se tratar de questão evidente. Se a reclamação para a conferência não for apresentada no prazo de 10 dias fica assim precludida a pos- sibilidade de interposição direta de recurso jurisdicional; e se no momento da interposição de recurso, cujo prazo é de 30 dias (artigo 144.º, n.º 1), já estiver esgotado o prazo de reclamação, a jurisprudência entende que já não é possível convolar o recurso em reclamação. Desta maneira, a reação ao incumprimento do ónus processual é particularmente gravosa para a parte agravada pela decisão de mérito tomada em juiz singular. Qualquer erro ou imprecisão, mesmo que desculpável, tem como resultado a rejeição do recurso jurisdicio- nal, não obstante a manifestação da vontade de se impugnar a decisão de mérito. Ora, nos casos em que o juiz intervém em substituição da formação de três juízes fora do condicionalismo do artigo 27.º, n.º 1, do CPTA, a posição processual da parte ainda é mais agravada porque, não estando em causa questão simples, passa a dispor de um prazo de reação mais curto. Se o juiz tivesse apresentado o projeto de acórdão à confe- rência, como se impunha, a parte desfavorecida pela decisão sempre teria o prazo de 30 dias para a impugnar. Como se vê, a intenção garantística que dá sentido à norma do n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, ao prever mais um meio de reação contra decisões judiciais desfavoráveis, em certas situações, como a referida, provoca um injustificado agravamento da posição processual da parte. Como referemTiago Serrão e Marco Caldeira, «(s) é a existência de outros meios adicionais de garantia que impede a interposição imediata de recurso para as instâncias superiores, bem se pode dizer que a “generosidade” do legislador tem como consequência, a final, prejudicar os interessados – de facto, para estes, o cenário preferível seria que o artigo 27.º, n.º 2, do CPTA não existisse ( …), na medida que surge como um mero obstáculo ao acesso à jurisdição superior» (cfr. “As reclamações para a conferência na jurisprudência administrativa: análise critica”, in O Direito , ano 145.º, 2013, Tomo III, p. 653). 10. Na conformação das regras próprias do processo administrativo não está o legislador ordinário sujeito a uma vinculação constitucional tão intensa quanto a que se verifica a propósito da conformação das regras de processo penal. O Tribunal Constitucional reconhece e declara que a CRP não impõe à ordem jurídica infraconstitucional um certo modelo concreto de processo, deixando à liberdade de conformação legislativa uma ampla margem de apreciação na definição da tramitação do processo, designadamente no que se refere aos requisitos de forma dos atos das partes, aos ónus processuais que sobre estes incidem e às cominações que resultem da inobservância das regras processuais (Acórdãos n. os 335/95, 508/02, 20/10, 186/10 e 629/13). Todavia, isso não significa que o legislador ordinário detenha uma total liberdade na concreta modela- ção do processo, como se fosse este um campo vazio de vinculações jurídico-constitucionais. É ponto assente que esta matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sentido útil ou

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