TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

508 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL designadamente, que “ questão a decidir é simples” ou que a “pretensão é manifestamente infundada”, recai sobre a parte desfavorecida o ónus de perceber se tais requisitos estão ou não concretamente preenchidos, de modo a decidir se pretende ou não invocar a nulidade da sentença por “incompetência funcional”. Ora, este encargo é suscetível de induzir em erro as partes quanto ao meio processualmente adequado de reação: se entender que estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA, deve recla- mar para a conferência; mas se considerar que a questão é complexa e que se decidiu em formação singular fora dos casos em que a lei o admite, deve invocar a incompetência do juiz singular em recurso jurisdicional. Do ponto de vista dos interesses processuais das partes, não é indiferente que seja afastada a intervenção do órgão judicial próprio que era suposto possuir as melhores condições para o julgamento do caso e garantir uma melhor qualidade de decisão. A atribuição da competência para o julgamento a um órgão colegial cons- titui uma opção justificada por razões de política legislativa (cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 403), que visa conferir maior ponderação e objetividade ao julgamento nos caos em que estejam em causa processos que envolvam órgãos superiores da Administração Pública, ou que, em função do valor da causa, possam revestir de maior complexidade. Por isso, quando o juiz de primeira instância a quem tenha sido distribuído o processo decide intervir em substituição da formação de três juízes, não só deve indicar a norma habitante, como explicitar funda- mentadamente, sob pena de induzir em erro as partes, a qualidade e os poderes em que intervém. A mera referência ao artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA é insuficiente porque permitiria ao juiz do processo afeiçoar os meios de reação à decisão do tribunal a quo. Na decisão em formação singular de uma questão complexa, bastava-lhe invocar ilegalmente aquele preceito para que logo se impusesse a reclamação para a conferência como condição prévia e necessária à interposição de recurso jurisdicional, sem que haja qualquer justificação material para se reduzir para um terço o prazo de impugnação da parte vencida. Em terceiro lugar, a orientação jurisprudencial contida no acórdão de uniformização n.º 3/12 não se compatibiliza com as normas que preveem o recurso jurisdicional de decisões interlocutórias proferidas em primeira instância. Como acima se referiu, foi por razões de celeridade que o legislador optou, no n.º 5 do artigo 142.º do CPTA, pela interposição de um recurso único, em que o recorrente impugna, não apenas a decisão final desfavorável, como todas as decisões interlocutórias que, caso sejam revogadas ou alteradas pelo tribunal superior, poderão influenciar o resultado final. Mas se fosse de admitir a reclamação para a confe- rência das decisões sumárias interlocutórias, em aplicação da regra contida naquele acórdão, isso implicaria a emanação de acórdãos interlocutórios impugnáveis no recurso da decisão final, com clara frustração do objetivo pretendido pelo legislador ao instituir o recurso único. Na verdade, além dessa interpretação não ser suportável pelo teor literal do n.º 5 do artigo 142.º do CPTA, as inúmeras e sucessivas reclamações para a conferência prejudicariam a celeridade desejável. Além de que se criaria um quadro normativo não intei- ramente claro, insuscetível de garantir às partes a previsibilidade indispensável ao uso adequado dos meios impugnatórios das decisões desfavoráveis. 9. O n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, na interpretação normativa questionada, surge como um obstáculo processual à interposição do recurso jurisdicional direto para os tribunais superiores de uma sentença de mérito proferida em primeira instância. Com efeito, a reclamação para a conferência representa uma situa- ção de necessidade imposta, ou melhor, proposta à parte agravada pela sentença do juiz singular, para poder exercer o direito à impugnação perante um tribunal superior. Naquela interpretação, o não cumprimento do “ónus processual” tem como consequência imediata a perda do direito ao recurso, como se verificou no caso concreto. A faculdade de reclamar para a conferência, afastando a desvantagem da perda do direito ao recurso, tem que ser exercida no prazo de 10 dias, que é o prazo geral supletivo fixado no artigo 29.º, n.º 1, do CPTA, na falta de qualquer indicação expressa no artigo 27.º, n.º 2. A previsão de um prazo de reação curto, que corresponde ao prazo geral para a prática de qualquer ato processual, justifica-se pela maior simplicidade das

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