TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
507 acórdão n.º 385/17 de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa» nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, aí se incluindo necessariamente o recurso de decisão sobre o fundo da causa que tenha sido proferida pelo juiz no uso da competência deferida por aquele dispositivo. E não tem cabimento aqui falar-se de uma relação de especialidade entre essas duas disposições, pela linear razão de que estamos perante normas gerais que têm um campo de aplicação distinto. A reclamação para a conferência tem aplicação em relação a decisões do relator que se reportam a questões simples, que, por sua própria natureza, dispensam a exigência de um julgamento por órgão colegial, como é o caso em que a questão de direito tenha sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, ou se trate de pretensão manifestamente infundada. Pelo contrário, o recurso é o meio jurisdicional de reação próprio contra decisões de mérito proferidas por uma formação de três juízes ou pelo juiz singular, no quadro das suas competências próprias de julgamento (artigo 40.º, n. os 1 e 3, do ETAF), e que não se confundem com a competência dele- gada do juiz singular quando intervém como relator, que apenas pode proferir decisões sumárias quando a questão de direito a resolver seja simples. Não é possível afirmar, por isso, dentro do quadro competencial legalmente definido, que a reclamação para a conferência é aplicável em todas as situações em que as decisões são proferidas pelo relator, de modo a poder concluir-se que há sempre lugar a reclamação para a conferência das decisões do relator e que dos acórdãos da conferência é que pode recorrer-se, nos termos gerais. De facto, o que sucede é que a reclamação para a conferência só tem lugar quando, à semelhança do que ocorre no âmbito dos recursos jurisdicionais em processo civil, o relator avoca a competência do órgão colegial de julgamento por específicas razões de celeridade e eficiência processuais identificadas na lei. Não podendo falar-se de uma relação de especialidade entre as normas em causa, as dúvidas interpreta- tivas que as referidas disposições suscitam colocam-se em vários planos. Em primeiro lugar, embora o modelo de competência funcional do relator nos tribunais administrativos de primeira instância tenha sido transposto dos recursos em processo civil, a situação não é inteiramente equivalente à que se verifica com a intervenção do relator nos tribunais superiores. Aí sabe-se que o processo é julgado por três juízes e que qualquer decisão que não seja emitida pela formação de julgamento, mas pelo relator a título individual, é passível de reclamação para a conferência. Nos tribunais administrativos de pri- meira instância, as questões relacionadas com a intervenção do relator não se colocam com a mesma lineari- dade: o julgamento pode ser efetuado pelo juiz singular no uso de competência própria ou por uma formação de três juízes, ou ainda pelo juiz singular no uso da competência delegada. E o meio de reação para qualquer destes casos não é idêntico: há lugar a recurso para o tribunal superior ou a reclamação para a conferência, consoante o órgão judiciário que tenha intervindo e a qualidade em que tenha intervindo. E, desse modo, introduz-se, desde logo, um maior grau de dúvida quanto à definição do órgão judicial interveniente face às diferentes regras de competência, e um estado de incerteza objetiva quanto ao meio de reação, o qual se acentua quando o relator intervém fora do contexto processual que se encontra estritamente delimitado pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , e, extravasando a competência do órgão colegial, profere de decisão de mérito que se não confina a questão simples. Em segundo lugar, nas situações em que o recurso se baseia em fundamentos absolutos, isto é, em funda- mentos que tornam o recurso admissível independentemente dos valores da causa e da sucumbência, como é o caso da incompetência absoluta do tribunal [artigo 678.º, n.º 2, do CPC a que corresponde o artigo 629.º, n.º 2, alínea b) , do Novo CPC e artigo 142.º, n.º 3, do CPTA], acresce um outro fator de incerteza quanto ao meio de reação às decisões tomadas em juiz singular. Na eventualidade de o relator, em violação das regras de competência definidas para o juiz singular, avocar o poder decisório fora do condicionalismo previsto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do CPTA, o vício de preterição do tribunal coletivo deve ser invocado no recurso e não na reclamação, visto que o controlo da decisão impugnada não pode ser levado a efeito através de um meio de reação a apresentar perante um dos órgãos judiciários cuja competência é questionada. Num tal caso, em que o juiz invoca expressamente a alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º (ou nada diz), sem averiguar, fundamentar e demonstrar, ainda que sucintamente, os requisitos que legitimam essa opção,
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