TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
501 acórdão n.º 385/17 de valor inferior ao da alçada, a denegação da conferência deixaria as partes numa aceitação forçada de uma decisão singular quando é a colegialidade que enforma o conhecimento do objeto do processo. Assim, nesse caso, a reclamação para a conferência destina-se apenas garantir a decisão seja tomada pelo verdadeiro titular do poder jurisdicional, substituindo a opinião singular do relator pela decisão coletiva do tribunal e não a provocar um acórdão do qual se possa recorrer. Já nos tribunais de primeira instância, se a causa tiver valor inferior ao da alçada, nem há recurso nem reclamação para a conferência, porque nesse caso não intervém o tribunal coletivo. Por isso, a admitir-se reclamação para a conferência, ela estaria sempre dependente do valor da ação, cumprindo apenas a função de provocar a prolação de uma decisão recorrível, bem menos do que lhe incumbe realizar nos tribunais superiores. Por outro lado, tendo em conta o sistema de impugnação dos atos jurisdicionais instituído pela CPTA, não é fácil encontrar despachos proferidos num processo tramitado em tribunal de primeira instância susce- tíveis de reclamação para a conferência. Desde logo, os despachos interlocutórios, aqueles que são proferidos no decurso da instância e que não conduzem à sua extinção, apenas são impugnáveis se e quando for interposto recurso da decisão final (artigo 142.º, n.º 5, do CPTA). Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, nestes casos, «o legislador terá optado, por razões de celeridade processual, pela interposição de um recurso único, em que o recorrente impugna, não apenas a decisão final desfavorável, como todas as decisões interlocutórias que, caso sejam revogadas ou alteradas pelo tribunal superior, poderão influenciar o resultado final» ( Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, Almedina, p. 816). Portanto, sendo a impug- nação dos despachos interlocutórios incorporada no recurso da decisão final, como se existisse um só recurso, fica afastada a possibilidade de sucessivas reclamações para a conferência desses despachos. É que não se pode confundir recursos de decisões interlocutórias com impugnações interlocutórias, como seria o caso da recla- mação para a conferência daquelas decisões. Depois, também não se encontra racionalidade na imposição da reclamação para a conferência dos despachos do juiz do processo em tribunal de primeira instância que, sem se pronunciarem sobe o mérito, põem termo à causa. Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 142.º do CPTA, essas decisões são sempre recorríveis, seja qual for o valor da causa. Ora, não se encontra coerência jurídico-sistemática em se impor o ónus da reclamação para a conferência nas ações de valor superior à alçada e de se admitir o recurso direto nas ações de valor inferior. Nos tribunais superiores, em que não há recurso das decisões do relator, incluindo as de forma, a reclamação para a conferência justifica-se por ser o meio processual necessário a provocar uma decisão de que se possa recorrer, mesmo que a causa seja de valor inferior à alçada. Mas nos tribunais de primeira instância, em que as decisões do juiz do processo são diretamente recorríveis [alínea a) do artigo 37.º do ETAF], não se justifica a imposição de um meio impugnatório destinado a provocar a abertura do recurso jurisdicional. De outro modo, contrariamente ao que prescreve a lei processual, as decisões relativas à relação processual seriam impugnáveis em função do valor da causa: nas ações administrativas especiais de valor inferior à alçada o recurso era admitido incondicionalmente; nas de valor superior dependia da prévia reclamação para a conferência. Uma solução que enfraquece a exigência de racionalidade do sistema de impugnação dos atos jurisdicionais, uma vez que quanto maior for o valor da alçada menor dificuldade deve haver no acesso ao tribunal superior. 6. Como se referiu, uma das novidades introduzidas pelo artigo 27.º do CPTA foi a faculdade conferida ao relator de «proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infun- dada» [alínea i) do n.º 1]. Incidindo a decisão sumária sobre o objeto do processo, respeitando ao mérito ou fundo da causa e pondo termo ao processo, numa primeira análise, poder-se-ia considerar que os atos que decidem o objeto do litígio são uma realidade autónomo dos «despachos» que não respeitem ao fundo da causa, que justifica
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