TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

493 acórdão n.º 385/17 do caso concreto, não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo para defesa de direitos fundamentais. Daí que não podem as particularidades do caso concreto ou as circunstâncias que rodearam a sua aplicação ao caso, se não integrarem o conteúdo normativo sindicado, delimitando-o, serem fato- res determinantes de um juízo de inconstitucionalidade que vai afetar uma norma que, apesar de fundamentar a decisão tomada no processo, tem uma eficácia que extravasa o caso, por força da suas características de generalidade e abstração. Por esta razão, o facto de à data da interposição do concreto recurso interposto para o TCA (...), poder ter exis- tido uma prática jurisprudencial com um sentido oposto ao da interpretação impugnada, assim como o facto da concreta decisão que foi objeto daquele recurso poder não preencher qualquer um dos pressupostos que permitem a prolação de decisão singular, por serem elementos que não integram o conteúdo normativo sob fiscalização, não podem ser fatores determinantes de um juízo de inconstitucionalidade da norma. As “dificuldades interpretativas” apontadas pela decisão recorrida resultariam do disposto no artigo 142.º, n.º 1, do CPTA, que, genericamente, permite o “recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa” nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, e da possibi- lidade de impugnação da decisão do relator se basear em fundamentos absolutos, como sucede quando se alega a incompetência absoluta do tribunal. Estamos perante problemas comuns que se colocam com frequência quando são introduzidas tramitações inovadoras num determinado sistema processual, aos quais a jurisprudência reponde com soluções encontradas através da interpretação dos preceitos em causa, não assumindo uma relevância que prejudique de tal forma a determinabilidade da lei que impeça os seus destinatários de agirem em conformidade com o por ela preceituado. A solução a que corresponde a interpretação normativa em causa é facilmente encontrada através da qualifi- cação da norma constante do artigo 27.º, n.º 2, do CPTA, como especial, relativamente à norma geral constante do artigo 142.º, n.º 1, do mesmo diploma, e portanto, especificamente aplicável nas situações em que as deci- sões, mesmo relativas ao mérito da causa, são proferidas pelo juiz relator, do mesmo modo que tal solução não é incompatível com as impugnações deduzidas com base em fundamentos absolutos, uma vez que a reclamação para o tribunal coletivo não é impeditiva da posterior possibilidade de interposição de recurso para um tribunal hierarquicamente superior. Acresce, relativamente a esta segunda “dificuldade interpretativa”, realçada pela decisão recorrida, que a mesma respeita a um segmento específico do modo de impugnação destas decisões, que apenas a ele diz respeito, não se encontrando o mesmo individualizado no conteúdo interpretativo sob recurso. Quanto à ausência de suficiente explicitação da fundamentação do uso da competência do relator prevista no artigo 27.º, n.º 1, i) , do CPTA, em resultado da decisão ser proferida com base numa mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, tal circunstância em nada interfere com a maior ou menor previsibilidade da sua impugnação ter de utilizar como meio processual a reclamação. Na verdade, se a simples alusão pela decisão que esta é proferida ao abrigo da competência prevista no artigo 27.º, n.º 1, i) , do CPTA, é útil na sua sinalização, alertando os destinatários para o tipo de decisão que lhes é dirigida, já a explicitação do preenchimento dos pressu- postos que permitem a sua utilização nada acrescenta ao conhecimento pelas partes do meio processual que devem fazer uso para a impugnarem. O que é determinante para que o meio adequado de impugnação seja a reclamação prevista no n.º 2 do artigo 27.º do CPTA, é que a decisão formalmente se insira na previsão da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA – uma decisão proferida pelo juiz relator avocando a competência do órgão colegial que integra. Se estavam ou não reunidos os pressupostos que permitiam a utilização deste tipo de decisão já é uma questão que respeita à sua regularidade processual, não sendo um problema cuja solução determine o modo de reação a essa decisão. Esse meio será sempre a dedução de uma reclamação, a qual poderá ter precisamente como fundamento a circunstância de não estar preenchido nenhum dos pressupostos que permitiam a avocação pelo relator da competência atribuída ao órgão colegial. Daí que a falta de explicitação das razões que permitiram ao relator proferir decisão singular não seja um fator criador de incerteza sobre qual o meio processual que as partes devem utilizar para impugnar aquela decisão.

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