TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
492 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processual, a questão seja resolvida por decisão liminar, que poderá traduzir-se numa exposição sucinta dos funda- mentos ou em remissão para decisões precedentes. Como se depreende do disposto no artigo 94.º, n.º 3, a prolação de decisão sumária apenas tem lugar em duas situações: (a) quando a questão de direito a resolver seja simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado; (b) quando a pretensão seja manifestamente infundada. Ou seja, o juiz pode optar por uma decisão sumária, avocando a competência que está atribuída à formação de três juízes, quando a ação verse sobre aspetos que foram já analisados pela jurisprudência de modo uniforme (seja pelos tri- bunais de primeira instância, seja pelos tribunais superiores), sem que tenha sido aduzida argumentação inovadora e suscetível de por em causa a corrente jurisprudencial já formada, caso em que basta ao juiz ou relator remeter para as precedentes decisões, de que juntará cópia; ou quando, pela análise meramente liminar dos fundamentos invocados seja possível concluir, com segurança, que as questões suscitadas são manifestamente improcedentes (neste sentido, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Coimbra, p. 631). Importa ainda ter presente que a intervenção de um órgão colegial no julgamento de primeira instância (apre- ciando a matéria de facto e de direito) tem uma justificação no plano legislativo. Tendo ocorrido, com a reforma de contencioso administrativo de 2002, uma alteração do quadro de distribuição de competências entre os diferentes graus da hierarquia dos tribunais administrativos, que implicou que os processos de jurisdição administrativa, na sua generalidade, passassem a ser intentados nos tribunais administrativos de círculo, essa foi a solução encontrada pelo legislador para compensar o facto de ter sido transferida para esses tribunais um conjunto de litígios em que a decisão em primeira instância era tradicionalmente atribuída a tribunais superiores (cfr. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, 2010, p. 403). Pretendendo-se, desse modo, que a atribuição de com- petência a um órgão colegial confira maior ponderação e objetividade ao julgamento nos casos em que estejam em causa processos que envolvam órgãos superiores da Administração Pública, ou que, em função do valor da causa, possam revestir-se de maior complexidade (cfr. acórdão do STA de 5 de dezembro de 2013, Processo n.º 1360/13). O Acórdão recorrido decidiu «julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) , do Código de Processo nos Tribunais Administrati- vos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo». Considerou-se que a imposição de reclamação como meio de impugnação dessas decisões, constituía um ónus processual imprevisível, cuja inobservância tinha consequências cominatórias excessivamente gravosas, o que era ofensivo do direito a um processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. A imprevisibilidade da reclamação ser o meio adequado à impugnação das decisões previstas na alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA, resulta, segundo a decisão recorrida dos seguintes fatores: – a existência de dificuldades interpretativas que prejudicam a determinabilidade da lei neste aspeto; – a ausência de suficiente explicitação dos fundamentos do uso da competência decisória do juiz relator; – a prática jurisprudencial existente à data da interposição do recurso no caso concreto, em sentido oposto ao da interpretação em causa; – a inexistência no caso concreto dos pressupostos que permitem a prolação de decisão singular. Estes dois últimos fundamentos respeitam a dados do caso concreto que não integram o conteúdo norma- tivo sub iudicio . Ora, o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem por objeto ape- nas uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=