TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

473 acórdão n.º 382/17 menoridade à maioridade não implica de per si uma alteração do apoio; a regra é a continuidade, sem pre- juízo de, em ambos os casos, as circunstâncias em que o jovem desenvolve a sua formação poderem determi- nar outra solução. O legislador pretendeu, de modo inequívoco, excluir automatismos associados à idade do beneficiário, salvaguardando, ao mesmo tempo, um espaço para a ponderação das circunstâncias concretas. Ora, é justamente essa salvaguarda que o limite etário imperativo dos 21 anos estabelecido no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) , da LPCJP, com a redação dada pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro – com reflexo também na regra que fixa a duração das medidas no meio natural de vida (cfr. o artigo 60.º, n.º 3, da mesma Lei) – elimina: a medida de apoio para a autonomia de vida que se manteve em vigor durante a maioridade do seu beneficiário, a fim de permitir que este conclua a sua formação profissional ou académica, cessa necessariamente quando o mesmo complete os 21 anos de idade. Tal imposição redunda numa limitação – e consequente diminuição – da proteção legal concedida ao direito ao desenvolvimento integral dos jovens pri- vados de um ambiente familiar normal que não tem paralelo na proteção de idêntico direito dos jovens inse- ridos num ambiente familiar normal. Acresce que a mesma imposição, devido ao automatismo excludente de qualquer ponderação que origina, se revela contraditória com a própria racionalidade inerente à prorrogação dos apoios à formação para além da maioridade dos seus beneficiários. Isto é: o limite etário absoluto dos 21 anos não só não encontra justificação na configuração abstrata da medida de apoio para a autonomia de vida (por exemplo, a duração média da formação elegível para ser apoiada por tal medida), como até pode revelar- -se contraditório com os seus objetivos precípuos, designadamente por poder causar, por razões totalmente alheias ao beneficiário e ao próprio plano de intervenção que enquadra a medida concreta, a interrupção do processo de formação e, desse modo, impedir a sua conclusão, com a consequente perda do investimento em esforços, energia e meios financeiros já realizado. Tal limite, por se impor necessariamente e sem qualquer ponderação, cria um risco sério de frustração dos objetivos da medida de apoio para a autonomia de vida. Porém, como resulta do artigo 69.º, n.º 2, da Constituição, o Estado deve assegurar «especial proteção» às crianças ou jovens privados de um ambiente familiar normal. Este dever de proteção especial, perspetivado à luz do princípio da igualdade, ao mesmo tempo que legitima e impõe o estabelecimento de discrimina- ções positivas ou tratamentos mais favoráveis destinados a compensar a privação daquele ambiente, proíbe discriminações negativas ou tratamentos menos favoráveis. Como este Tribunal observou no seu Acórdão n.º 412/02, «o princípio da igualdade abrange fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a primeira, a impo- sição da igualdade de tratamento para situações iguais e a interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (tratar igual o que é igual; tratar diferentemente o que é diferente); a segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em critérios subjetivos [como os enunciados exemplificativamente no artigo 13.º, n.º 2] e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de oportunidades». A legitimidade deste tipo de discriminações – que visam o tratamento desigual e mais favorável do que, sendo desigual, deve ser igualizado – tem, de há muito, acolhimento na jurisprudência constitucional. Nesse sentido, refere-se no Acórdão n.º 232/03: «[Q]uer a Comissão [Constitucional], quer o Tribunal Constitucional admitiram já a hipótese de, em certos casos, se proceder a diferenciações de tratamento ou, noutra perspetiva, a «discriminações positivas» (sobre a juris- prudência constitucional nesta matéria, cfr., por todos, Luís Nunes de Almeida e Armindo Ribeiro Mendes, ‘Les discriminations positives – Portugal’, Annuaire International de Justice Constitutionnelle, vol. XIII, 1997, pp. 223 ss) [não tendo o Tribunal Constitucional enjeitado tal a possibilidade em benefício das mulheres, por exemplo, nos Acórdãos n. os 191/88, 231/94, 609/94 e 713/96]. O debate em torno das discriminações positivas pela juris- prudência constitucional não se cinge, todavia, à questão das desigualdades em razão do género. [Tal pode ser evidenciado pelo Parecer n.º 15/81 da Comissão Constitucional em que esta considerou admissível uma discrimi- nação de preços dos transportes aéreos entre o Continente e as regiões autónomas favorável aos residentes nestas últimas]: «o legislador considera atendível a circunstância de os cidadãos portugueses residirem habitualmente nas regiões autónomas, em ilhas afastadas do continente, para introduzir reduções dos preços de viagens aéreas que,

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