TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, devem assumir primazia as medidas destinadas a permitir que a família receba a proteção e assistência necessárias para poder desempenhar plenamente o seu papel […]. Assim, assumindo a família, por imperativo constitucional, “uma importância substancial no que concerne ao desenvolvimento das crianças [...], e sabendo-se que muitas das “crianças institucionalizadas são órfãos sociais, privados do convívio e do afeto dos pais porque estes carecem das condições básicas para as manter no seu seio e para as ajudar a crescer”, deve concluir-se que os “decisores e outros operadores, quando colocados perante a neces- sidade de aplicar uma medida de proteção, ficam obrigados a ponderar e a avaliar prioritariamente a não retirada da criança do seu contexto familiar” […]. Por outro lado, ainda quando não seja possível criar condições para que os pais exerçam as suas responsa- bilidades parentais, a preocupação da Lei Fundamental em propiciar às crianças um ambiente familiar normal postula uma preferência – constitucional e não apenas legal – por medidas a executar no meio natural de vida em detrimento das medidas de colocação, maxime a medida de acolhimento em instituição […]» (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição… , cit., anot. V ao artigo 69.º, pp. 1384-1385). Nem sempre será possível afirmar uma prioridade tão rígida na aplicação das diversas medidas de promoção e proteção – aliás, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, cit., p. 290, pronuncia-se no sentido de a articulação dos princípios orientadores da intervenção fixados no artigo 4.º da LPCJP não permitir «apontar para uma ordem abstrata na aplicação das medidas de promoção e proteção –; no entanto, o estalão correspondente ao ambiente familiar normal pode operar como medida máxima do nível de proteção a alcançar sempre que possível. Isto é: considerando que é em tal ambiente que, do ponto de vista constitucional, o desenvolvimento integral da criança se mostra assegurado, as medidas de promoção e proteção devem, na medida do possível, ser conformadas e aplicadas, de modo a aproximar a situação da criança ou jovem em perigo – justamente porque privado de um tal ambiente – da situação daquelas crianças que se encontram em ambiente familiar normal. Mais: dada a diversidade e o dinamismo das situações, não é à partida de excluir a existência de situações paralelas, caso em que não pode deixar de se impor, na medida do possível, uma paridade de tratamento em ordem a um nível de proteção igual, tanto mais que as crianças e jovens em perigo são credoras de uma proteção acrescida (cfr. o artigo 69.º, n.º 2, da Constituição). D) A comparação entre a situação do filho maior que ainda não completou a sua formação e a situação do jovem, maior de idade, beneficiário da medida de apoio para a autonomia de vida aprovada em vista da conclusão da sua formação 11. Segundo a decisão recorrida, a cessação necessária da medida de apoio para a autonomia de vida mantida em vigor durante a maioridade do seu beneficiário, a fim de permitir que este complete a sua for- mação profissional ou académica, em virtude do simples facto de o mesmo beneficiário completar os 21 anos de idade, estatuída no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) , da LPCJP é constitucionalmente ilegítima, porquanto «discrimina de forma direta os jovens que não tiveram sequer um lar saudável em relação [aos] jovens que têm pai e mãe». Na verdade, e em benefício destes últimos, o Estado, por via da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, «impõe o dever dos pais em sustentar os filhos maiores até aos 25 anos desde que estes estejam a fazer a sua formação profissional ou académica», garantindo, assim, um apoio, durante a maioridade, em vista da conclusão da formação iniciada enquanto eram menores. Ou seja, na perspetiva do tribunal a quo, a situação dos jovens, maiores de idade, «que sempre viveram em casa no seio de uma família [e] têm [o] direito inalienável a serem sustentados pelos pais», com vista a completarem a sua formação, é comparável à dos jovens, como a ora recorrida – igualmente maior de idade, mas «altamente desfavorecida por não ter sido criada com todas as condições que uma criança merece» e, por isso mesmo, beneficiária de uma medida de apoio para a autonomia de vida aprovada tendo em vista permitir que completasse a sua formação iniciada enquanto ainda era menor – para efeito de os apoios financeiros que recebem deverem cessar em condições essencialmente idênticas, maxime no tocante ao limite etário (25 anos).
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