TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

463 acórdão n.º 382/17 dos filhos (cfr. o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição), ainda que os progenitores não vivam em conjunto nem mantenham uma relação entre eles (caso em que as aludidas responsabilidades devem ser objeto de regula- ção, de acordo com a igualdade de direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos – vide o n.º 3 do mesmo artigo 36.º). Mas, como mencionado, a proteção do direito ao desenvolvimento integral da criança, designadamente por os pais não cumprirem os seus deveres fundamentais para com os filhos (cfr. os artigos 36.º, n.º 6, e 69.º, n.º 1, ambos da Constituição), pode impor a inibição de tais responsabilidades ou limitações mais ou menos severas ao seu exercício. Esta necessidade de proteção pressupõe, assim, um desvio relativamente ao ambiente familiar tido por desejável – e, nessa mesma medida, a privação de um ambiente familiar normal –, que é tanto maior, quanto maior for a limitação das aludidas responsabilidades dos pais relativamente aos seus filhos. Por ser assim, compreende-se a importante particularidade de o direito das crianças à proteção do seu desenvolvimento integral não ter por sujeito passivo apenas os poderes públicos, mas também a sociedade (cfr. o mencionado artigo 69.º, n.º 1). A importância constitucional do citado ambiente familiar resulta, desde logo, do entendimento da família como «elemento fundamental da sociedade» (artigo 67.º, n.º 1) e do reconhecimento da «insubsti- tuível ação [dos pais e das mães] em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação» (artigo 68.º, n.º 1). Com efeito, «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos» (artigo 36.º, n.º 5), decorrendo daí que as crianças têm, em relação aos progenitores, um direito de manutenção e educação. Em rigor, o mencionado direito dos pais é um direito-dever, poder-dever ou direito-função: «Os direitos dos pais de educação dos filhos não são meras liberdades em face do Estado, representam, no seu conteúdo essencial, poderes sobre os filhos. Não são nesta dimensão rigorosamente direitos dos indivíduos, mas poderes concedidos no quadro da autonomia familiar e estariam até fora da matéria dos direitos fundamentais se não fosse a intensidade pessoal que caracteriza a organização da família na vida social e que é recolhida no seu reconhecimento jurídico-constitucional. Se a família é protegida por ser “elemento fundamental da sociedade” (artigo 68.º), ela cabe na matéria dos direitos fundamentais porque é o prolongamento natural dos indivíduos que a formam e que se apresentam […] como uma unidade pessoal. Mas, por isso mesmo, compreende-se que os direi- tos concedidos aos pais dentro da família sejam acoplados com deveres quando tenham a natureza de poderes de pessoas sobre outras pessoas, exercidos no interesse destas últimas e não dos seus titulares» (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 158, nota 127). Naturalmente que a maior vulnerabilidade – e as consequentes necessidades mais prementes – das crianças privadas de um «ambiente familiar normal», em especial as órfãs e abandonadas, exige uma proteção acrescida (cfr. o artigo 69.º, n.º 2, da Constituição). É neste quadro que a Constituição afirma o primado dos pais na manutenção e educação dos filhos e um princípio da prevalência da família: as soluções que impliquem distância relativamente ao ambiente familiar normal são sempre subsidiárias, e tanto mais presentes, quanto maior for o afastamento de tal ambiente: «Por isso, as intervenções dos poderes públicos, não só estão estritamente vinculadas à prossecução dos interes- ses dos filhos, como também devem ser submetidas a um rigoroso crivo de proporcionalidade. A própria proteção especial que o artigo 69.º promete aos órfãos e abandonados não é mais do que um corolário da função subsidiária que os artigos 36.º, n.º 5, e 67.º, n.º 2, alínea c) , atribuem à sociedade e ao Estado em relação ao desenvolvimento das crianças […]. Um importante corolário deste princípio da prevalência da família reside, justamente, na preferência, entre as medidas de promoção e proteção, por aquelas menos intrusivas, designadamente medidas de apoio junto dos pais. Com efeito, se como resulta da Convenção sobre os Direitos da Criança, mas a conclusão decorre igualmente da Constituição, a família constitui o elemento fundamental da sociedade, e meio natural para o crescimento e

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