TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

462 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a proteção da vida, da integridade física, da saúde, a manutenção e a educação. O artigo 69.º, n.º 1 (e, por maioria de razão, o n.º 2 do mesmo preceito) procura responder às situações em que as pessoas estão mais vulneráveis e, por isso mesmo, carecem de uma proteção acrescida, sob pena de o respetivo desenvolvimento integral ficar comprometido; o dever de proteção previsto no artigo 70.º, sem prejuízo de concorrer para o desenvolvimento da personalidade dos jovens e para a criação de condições para a sua efetiva integração na vida ativa (vide o respetivo n.º 2), preocupa-se com a plena efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, assumindo que a mesma deve ser promovida pela via da prossecução de políticas ativas. 9. A maior densidade do referido direito à proteção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, resulta da respetiva associação ao direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Na verdade, aquele direito à proteção, além de pressupor o direito ao desenvol- vimento da personalidade, implica direitos a uma proteção do bem jurídico desenvolvimento da personali- dade contra ameaças ou agressões provenientes de terceiros, incluindo os progenitores ou de contingências naturais – a que correspondem deveres de proteção «contra todas as formas de abandono, de discriminação e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições», conforme referido no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição – e a garantia de condições favoráveis à própria formação da personalidade. E é por causa desta segunda vertente – a que corresponde um dever geral de promoção do bem jurídico em causa – que o direito das crianças à proteção do seu desenvolvimento integral se reconduz a um «típico “direito social”, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e concretiza- ção» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., anotação I ao artigo 69.º, p. 869). Como refere Reis Novais: «[A] maior modificação implícita no advento do Estado social de Direito terá ocorrido através da complemen- tação dos tradicionais deveres de respeitar e proteger por um dever estatal geral de promover o acesso individual aos bens jusfundamentalmente protegidos, portanto, através da dedução constitucional de uma obrigação jurídica estatal de ajuda dos particulares a acederem a tais bens. O Estado deixa de ser visto como agente neutro, separado da sociedade civil, que apenas respeita a segurança das livres trocas individuais e do livre encontro de autonomias individuais, para passar a ser visto como Estado social – refletindo nesse conceito o movimento dúplice de socialização do Estado e de estadualização da sociedade […] –, um Estado preocupado com as desigualdades de facto que distorciam e anulavam as condições do livre desenvolvimento das autonomias individuais, empenhado ativamente na prossecução de uma liberdade e de uma igualdade reais. Nesse sentido, para além de respeitar o acesso individual aos bens jusfundamentais, para além de proteger esse acesso, não apenas das ameaças e intervenções do aparelho estadual, mas também dos riscos naturais e das ameaças e intervenções de outros particulares, designadamente dos poderes sociais fácticos, o Estado passa a estar agora também obrigado a promover esse acesso, a ajudar sobretudo aqueles que, por si sós, com o recurso a meios, aptidões ou capacidades próprias, não dispõem de condições para um acesso igualitário e efetivo a tais bens» (v. Autor cit., Direitos Sociais – Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 261-262). 10. A Constituição dá um especial relevo à inserção da criança ou jovem num ambiente familiar nor- mal ou à sua privação. O desvio da normalidade ou “anomalia” é, neste contexto, aferido apenas pela falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança, e não na perspetiva de um qualquer modelo normativo de família (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição…, cit., anotação III ao artigo 69.º, p. 871). O ambiente familiar normal concretiza-se na sujeição da criança ou jovem durante a sua menoridade ao exercício pleno das responsabilidades próprias dos seus progenitores (ou, eventualmente, daqueles que, como os adotantes, assumem legalmente posição jurídica similar), maxime quanto à manutenção e educação

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