TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
461 acórdão n.º 382/17 C) Enquadramento constitucional 8. As características físicas e psicológicas das crianças, assim como o dinamismo inerente à formação e desenvolvimento da sua personalidade tornam-nas naturalmente vulneráveis a circunstâncias que podem fazer perigar o seu processo de autonomização e, em última análise, comprometer ou condicionar a respetiva autodeterminação enquanto adultos. Daí que a Constituição as reconheça como sujeitos de direitos funda- mentais e, ao mesmo tempo, se preocupe com as eventuais situações de necessidade associadas à sua natural vulnerabilidade, reconhecendo-lhes um específico e próprio «direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral» (artigo 69.º, n.º 1). Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, «este direito à proteção infantil protege todas as crianças por igual, mas poderá justificar medidas especiais de compensação (discriminação positiva), sobretudo em relação às crianças em determinadas situa- ções (órfãos e abandonados) (n.º 2)» (vide Autores cits., Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação I ao artigo 69.º, p. 869). Com efeito, «a noção cons- titucional de desenvolvimento integral (n.º 1, in fine ) – que deve ser aproximada da noção de “desenvolvi- mento da personalidade” [art. 26.º-(1)] – assenta em dois pressupostos: por um lado, a garantia da dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.º), elemento “estático”, mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimento; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades» (idem , ibidem , pp. 869-870). Diferentemente do que sucede no plano infraconstitucional – vide, por exemplo, o artigo 1.º da Con- venção sobre os Direitos da Criança ou o artigo 5.º, alínea a) , da LPCJP –, a Constituição não define o con- ceito de “criança”, como, de resto, também não diz o que é um ou uma “jovem”. Certo é que nos seus artigos 69.º e 70.º o mesmo normativo estabelece uma distinção quanto à intensidade da proteção conferida a uns e a outros: as crianças têm um direito a que o seu desenvolvimento integral seja protegido pela sociedade e pelo Estado, enquanto, relativamente aos jovens, se preveem deveres de proteção para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais. Uma vez que o desenvolvimento integral da personalidade ocorre de forma gradual e é condicionado tanto por fatores objetivos como subjetivos (maturidade, competências, entre outros), as formas de proteção das crianças podem e devem variar de acordo com a idade, nada impedindo, no plano constitucional, a possibilidade de haver uma «sobreposição parcial das duas categorias, com a con- sequente aplicação dos correspondentes direitos» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., anotação I ao artigo 69.º, p. 870, e anotação I ao artigo 70.º, p. 875). Nesse sentido, Rui Medeiros reforça: «[A] proteção que cabe ao Estado assegurar às crianças, em especial quando se trata de crianças órfãs, abando- nadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, deve valer, em situações análogas, para os jovens em perigo. O conceito de criança, para este efeito, pode estender-se, ao menos até à maioridade [ou até para além dela, como previsto no artigo 5.º, alínea a) , da LPCJP]. Em contrapartida, e uma vez que mesmo durante a menoridade e também depois da maioridade, o cresci- mento da pessoa e a sua crescente capacidade para decidir autonomamente sobre os seus próprios interesses e para desenvolver livremente a sua personalidade colocam, a partir de certo momento, problemas específicos, nada impede que o conceito de jovem, para efeitos da proteção especial prevista no artigo 70.º, cubra, não apenas os adolescentes menores, mas também aqueles que, tendo atingido a maioridade, carecem de especial proteção no ensino, no acesso ao primeiro emprego, na procura de habitação, etc.» (v. Autor cit. in Jorge Miranda e Rui Medei- ros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. I ao artigo 70.º, pp. 1389-1390). Deste modo, a delimitação recíproca do âmbito de aplicação subjetivo dos artigos 69.º e 70.º não passa por um critério associado a certa idade dos destinatários dos direitos aí previstos, mas, fundamentalmente, pela essencialidade da proteção para um desenvolvimento integral da pessoa, o que pressupõe, desde logo,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=