TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
458 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para tanto, é adotado «o conceito jurídico de “crianças e jovens em perigo”, inspirado no artigo 1918.º do Código Civil, em detrimento do conceito mais amplo de “crianças em risco”, dado que nem todos os riscos para o desenvolvimento da criança legitimam a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autono- mia e na sua família. Limita-se, assim, a intervenção às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem» ( ibidem , pp. 1516-1517). Com efeito, a intervenção prevista na LPCJP «tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo» (artigo 3.º desse diploma) e reveste um caráter excecional, temporário e subsidiário, uma vez que implica restrições a «direitos fundamentais dos pais, designadamente do direito à educação e à manutenção dos filhos, e à liberdade e autodeterminação pessoal destes» (vide exposição de motivos cit., p. 1517). Orientada pelo superior interesse da criança ou jovem – artigo 4.º, alínea a) –, tal intervenção obedece, por isso, entre outros, aos princípios da intervenção mínima – «a intervenção deve ser exercida exclusiva- mente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo» [artigo 4.º, alínea d) ] – e da proporcionalidade (e atualidade) – «a inter- venção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade» [artigo 4.º, alínea e) ]. Como observa Jorge Duarte Pinheiro, a proteção de crianças e jovens identifica-se, neste contexto, como «aquela que é prevista para suprir a inexis- tência ou insuficiência de uma relação de filiação» (vide Autor cit., O Direito da Família Contemporâneo, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 90 e nota 158). O superior interesse da criança é o princípio estruturante dos regimes que têm por objeto a matéria atinente aos direitos das crianças, incluindo o direito ao seu desenvolvimento integral (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, em 26 de janeiro de 1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro). A reforma do direito e da justiça de menores de 1999 traduziu-se, funda- mentalmente, na separação da intervenção tutelar de proteção (com cariz civil, e que foi objeto da LPCJP) da intervenção tutelar educativa (com cariz para penal, objeto da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro; cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 265/VII, cit., p. 1516; e Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, cit., pp. 91 e 284). Mas – e daí a subsidiarie- dade da LPCJP –, também existem normas de proteção das crianças e jovens no Código Civil: desde logo, aquelas dirigem o exercício das responsabilidades parentais em função da proteção dos interesses dos filhos: por exemplo, as normas respeitantes à inibição (artigo 1915.º) ou à limitação do exercício (artigos 1918.º e 1919.º) de tais responsabilidades, a efetivar por via da adoção de providências tutelares cíveis nos termos do processo tutelar cível [cfr. o artigo 3.º, alínea h) , do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro]. O ponto de partida do Código Civil e da LPCJP no tocante à proteção das crianças é similar, já que o conceito de perigo da segunda (artigo 3.º) é inspirado no conceito de perigo acolhido no artigo 1918.º do Código Civil (cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 265/VII, cit., p. 1516; e Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit. , p. 283). Contudo, enquanto o citado artigo 1918.º se limita – no essencial, pois importa não esquecer a previsão de “alimentos educacionais” do artigo 1880.º e a garantia da pensão já fixada, nos termos do artigo 1905.º, n.º 2, na redação dada pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro – à proteção do filho menor a efetivar mediante providências judiciais, a LPCJP admite a proteção do jovem com menos de 21 anos – e, na sequência da Lei n.º 23/2017, de 23 de maio, em determinadas circunstâncias até aos 25 anos – e não exclui a aplicação de medidas de promoção e proteção por entidades não judiciais (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, ibidem ). Certo é que a LPCJP «não anulou a projeção do Código Civil no domínio da pro- teção da esfera predominantemente pessoal dos filhos menores em perigo. O referido artigo 1918.º subsiste
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