TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

444 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL comportamento dos poderes públicos que crie nos privados expectativas de continuidade, que as expectati- vas sejam legítimas e que haja investimento na confiança. A proteção jurídico-constitucional da “confiança” pressupõe que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. A própria razão de ser da função administrativa impõe a adequação permanente da atividade administrativa (e, portanto, também dos regulamentos) à satis- fação dos interesses públicos atuais. Por isso, a aplicação do princípio da confiança depende também do confronto entre as expectativas e os investimentos da confiança frustrados, por um lado, e as medidas e o fim de interesse público prosseguidos, por outro. Na exposição de motivos do Despacho n.º 4182/2008 – que está na origem da norma revogatória – justifica-se o novo regime de abonos a atribuir aos militares das Forças Armadas que integram as missões de acompanhamento e fiscalização dos contratos de aquisição de equipamentos militares celebrados no âmbito da Lei de Programação Militar, com o facto do regime existente não estar «uniformemente» estabelecido para todas as missões de natureza semelhante. Ora, a pretensão de uniformizar as remunerações acessórias devidas pela deslocação no estrangeiro de militares em missões não diplomáticas é um interesse público constitucionalmente protegido, seja pelo impe- rativo da igualdade consagrado no artigo 13.º, seja pelo princípio da paridade retributiva, consagrado na alínea a) do n.º 1 da artigo 59.º da CRP, caso se entenda que, para este efeito, as ajudas de custo integram um conceito amplo de retribuição. Se pertencem todos ao mesmo universo – deslocados em serviço no estran- geiro – justifica-se que a fixação do quantum de reembolso das despesas efetuadas por facto desse serviço obedeça ao mesmo conjunto de critérios e parâmetros compensatórios. Não é, porém, necessário demonstrar, como pretendem os recorrentes, que havia militares deslocados no estrangeiro em missões semelhantes que estavam a ser compensados de maneira diferente pelo mesmo tipo de despesas. É que, independentemente de existirem ou não regimes diferenciados, nada impede a Administração de considerar, no momento atual, mais adequado ao interesse público um novo regime de ajudas de custo por deslocação no estrangeiro. Neste caso, a diretriz uniformizante encontra-se na norma que manda aplicar o novo regime de ajudas de custo, não apenas aos militares a nomear para as missões de fisca- lização e acompanhamento já existentes ou que venham a ser criadas, mas também aos que já se encontram integram nessas missões – o n.º 13 do Despacho n.º 4182/2008. A aplicação das novas regras de ajudas de custo aos militares em exercício de funções em missões já constituídas, como a consequente extinção do regime anterior, pretende evitar que na mesma ou semelhante missão e durante o mesmo tempo de serviço existam remunerações complementares diferenciadas. Na ver- dade, se o novo regime não fosse aplicado aos militares que no momento se encontravam em funções nas diversas missões, a nomeação de novos militares para o exercício das mesmas funções tinha como consequên- cia o pagamento de montantes diferenciados de ajudas de custo tendo como único fundamento a data da nomeação. Por isso, numa perspetiva de equilíbrio entre estabilidade e adaptação, indispensável à aplicação do prin- cípio da confiança, o que há a ponderar, com recurso à ideia de proporcionalidade, é o interesse público na igualdade de acréscimos remuneratórios a pagar no futuro com os interesses individuais de quem no passado auferiu por um regime diferente. Em princípio, a norma impugnada de natureza “retrospetiva” ou com eficácia retroativa inautêntica só violará o princípio da confiança se os seus efeitos forem intoleráveis, excessivos ou demasiados onerosos, como reiteradamente tem referido a jurisprudência constitucional. Não é, porém, o caso da norma questionada, porque a mudança do regime de ajudas de custos e do respetivo quantum não incidiu sobre os militares já integrados nas referidas missões de forma desproporcio- nada e abrupta, em termos de os impedir de ajustar e planear as respetivas vidas em função do novo regime. A norma impugnada revogou a remuneração adicional prevista no n.º 5 da Portaria n.º 1157/2004, mas em sua substituição foi fixado um regime de ajudas de custo que não se mostra substancialmente desa- dequado ou desrazoável à compensação das despesas inerentes à deslocação no estrangeiro por motivo de

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