TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

443 acórdão n.º 379/17 programa (ou da disciplina jurídica) que o legislador definiu, cometendo à Administração o encargo de o desenvolver e completar. Daí que o princípio da proteção da confiança assuma relevância decisiva nos casos em que o legislador confere discricionariedade regulamentar, chamando a Administração a completar ou a desenvolver a disciplina jurídica de determinada matéria. A oponibilidade da tutela da confiança a uma norma regulamentar pressupõe, em primeiro lugar, a cria- ção de uma situação de confiança, ou seja, que a emissão do regulamento seja suscetível de gerar expectativas razoáveis em destinatários concretos e determinados. No caso sub judice , pode aceitar-se que a Administração ajudou a despoletar essa confiança quando nomeou os militares para integrarem a MCSUB. Com efeito, no Despacho de nomeação n.º 23408/2004 (publicado no Diário da República n.º 269, Série II, de 16 de novembro de 2004), ficou expresso que lhe era aplicável o disposto no n.º 5 da Portaria n.º 1157/2004 «pelo período correspondente à sua estada naquele país». Acresce que o recebimento mensal ao longo de quatro anos da remuneração adicional e demais abonos previsto naquela norma regulamentar reforçou a confiança dos militares na manutenção do respetivo quan- tum durante o restante período de permanência na missão. Todavia, a existência de uma confiança justificada, na esfera subjetiva dos militares em funções na MCSUB, não significa que uma alteração no montante daqueles abonos não caia na “zona de previsibili- dade” de comportamento dos órgãos com competência regulamentar nessa matéria. A remissão para o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 56/81 implica a existência de um despacho conjunto do CEMGFA e do Ministro das Finanças que fixe o montante da remuneração adicional com base no «mesmo critério em uso» para o pessoal diplomático equiparável do Ministério dos Negócios Estrangeiros em serviço no estrangeiro. Ora, mesmo que se veja naquela expressão a intenção de estabelecer uma equiparação absoluta entre o pessoal militar e o pessoal diplomático, como considera a jurisprudência administrativa acima referida, a possibilidade de alteração dos montantes dos abonos está expressamente prevista no artigo 64.º do Decreto- -Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro. O montante dos abonos do pessoal diplomático é fixado anualmente, por despacho conjunto dos Ministros do Negócios Estrangeiros e das Finanças, devendo ter em conta «as disponibilidades orçamentais previstas para o ano seguinte», além dos fatores enunciados nos n. os 2 e 3 daquele artigo. De modo que a previsão expressa da alteração do montante dos abonos do pessoal diplomá- tico diminui o grau de confiança que os militares possam ter na manutenção no ano seguinte das quantias recebidas a esse título no ano anterior. Apesar disso, a norma impugnada fixou um quantitativo da remuneração acessória – ajudas de custo – inferior ao previsto na norma revogada, sem que tal mudança tenha ocorrido nos abonos do pessoal militar junto das representações diplomáticas. Quer dizer, se as prescrições legais em vigor faziam antever alterações no quantitativo da remuneração adicional, já não era previsível que ocorressem sem respeitar os “critérios em uso” para o pessoal diplomático. Daí que a aplicação às relações jurídicas em curso das novas regras de ajudas de custo importe uma “retroatividade inautêntica” (ou aparente) suscetível de frustrar as expectativas dos militares da MCSUB em continuar a manter um regime de complementos remuneratórios igual aos militares junto das representações diplomáticas. E não custa admitir que a retroatividade das novas regras de ajudas de custo – imposta pelo n.º 13 do Despacho n.º 4182/2008 – também vulnere o chamado “investimento na confiança”, isto é, as despesas e planos de vida que a norma revogada lhes deu oportunidade de fazer. Com efeito, não deixa de ser suscetível de proteção o militar que aceitou a nomeação confiando que durante o período de estada no estrangeiro rece- beria determinada quantia de complemento remuneratório e que por causa disso realizou despesas e orientou a sua vida num determinado sentido, mas que em consequência da redução do montante do complemento acaba por ficar numa situação pior do que a que teria se não tivesse confiado nas condições que o levaram a aceitar a nomeação. 13. Mas, para que o princípio da proteção da confiança legítima releve como limite ao exercício do poder regulamentar, no âmbito da margem de livre decisão administrativa, não basta a existência de um

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