TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

438 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por isso, ainda que se considere que a chamada “remuneração adicional” se destina a retribuir trabalho ou especificidade de trabalho, o princípio da irredutibilidade da retribuição não é convocável ao nível cons- titucional. O direito fundamental à retribuição consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Consti- tuição é um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, com um conteúdo constitucio- nalmente determinado, mas a garantia da irredutibilidade da retribuição não tem, autonomamente, direta proteção constitucional, nem se estrutura, por si mesmo, com a dimensão de um princípio constitucional. Não se pode esquecer, porém, que também no plano legal a irredutibilidade do salário, ou seja, a proibi- ção do empregador diminuir, unilateralmente, o seu montante e de piorar o equilíbrio que deve existir entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação da entidade empregadora, não é uma regra absoluta. Os preceitos do direito infraconstitucional referidos – que estabelecem o princípio da irredutibilidade da retribuição – excecionam os casos previstos no Código do Trabalho e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, e para os trabalhadores da Administração Pública, os casos previstos na lei. De modo que, como também se referiu o Acórdão n.º 396/11, «(O) que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo». 9. A proteção constitucional (e legal) das remunerações pode não assumir a mesma abrangência e inten- sidade relativamente aos vários componentes que normalmente formam a estrutura da retribuição. As leis que regulam os sistemas retributivos – o laboral e o da função pública – estabelecem como ponto de partida a remuneração-base, que constitui a contrapartida do trabalho prestado, à qual se contrapõem uma variedade de prestações complementares ou acessórias, destinadas remunerar particularidades específicas da prestação de trabalho ou a compensar encargos e despesas efetuadas por motivo dessa prestação (artigos 258.º e 262.º do Código do Trabalho e artigo 146.º da LTFP). Ora, se é certo que a retribuição base, pela correspetividade relativa ao trabalho, integra o conceito de retribuição constitucionalmente tutelado, já é mais duvidoso que as prestações complementares que tenham causa jurídica diversa da remuneração do trabalho possam ter o mesmo grau de proteção. Com efeito, quando a atribuição patrimonial não tem por objetivo recompensar o trabalho, ligando-se a fatores indepen- dentes dessa prestação, perde relevo a dimensão pessoal e existencial que justifica a tutela constitucional do direito à retribuição. Isto não significa, porém, que os complementos não possam (e até devam) traduzir a concretização legislativa do direito fundamental à retribuição segundo a “quantidade, natureza, e qualidade” do trabalho. A causa específica que a determina é essencial nessa avaliação: ou visa assegurar o equilíbrio entre as duas prestações principais da relação de trabalho ou assenta numa lógica compensatória e indemnizatória das particularidades que envolvem a execução da prestação do trabalho. Neste domínio, o legislador tem um papel decisivo na definição da estrutura da retribuição e na deter- minação das atribuições que podem ser consideradas como retribuição e das que não podem ser consideradas como tal. Aludindo à abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, refere Rui Medeiros que «além de não se poder ignorar a relevância do princípio da autonomia privada nas relações de trabalho entre empre- gadores privados e trabalhadores, o legislador ordinário dispõe de uma margem de liberdade de conforma- ção não despicienda na concreta conformação do direito à retribuição. Assim, por exemplo, a lei tem uma palavra decisiva na concretização da retribuição adequada (seja, por exemplo, no estabelecimento e definição de suplementos remuneratórios, seja na imposição de limites à acumulação de remunerações advindas da pensão de reforma de um aposentado da função pública e da retribuição pelo exercício de funções ou cargos públicos que ele se encontre legalmente autorizado a desempenhar)» – cfr. O Direito Fundamental à Retri- buição , Universidade Católica Editora, pp. 41 e 42. A jurisprudência constitucional, sempre que foi chamada a julgar questões relacionadas com presta- ções complementares, excluiu-as do âmbito de proteção constitucional do direito à retribuição, por não integrarem o conceito de retribuição. Assim aconteceu com a compensação por riscos, designadamente o

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