TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
437 acórdão n.º 379/17 retribuição, como acontece com as ajudas de custo, gratificações e outros abonos previstos nos artigos 260.º e 261.º do Código do Trabalho; e por outro lado, há prestações complementares atribuídas por causa espe- cífica e individualizável que, por força dessa natureza, não suscitam expectativas legítimas de manutenção e continuidade com consistência equivalente às que são geradas pela remuneração-base. O acórdão recorrido, não obstante reconhecer «que não pode ser descurada a destrinça que os recorren- tes fazem entre remuneração e ajudas de custos», limitou-se a invocar a jurisprudência constitucional – em especial o Acórdão n.º 396/11 – no sentido de que a garantia da irredutibilidade do salário não está con- tida no âmbito de proteção do direito à retribuição constitucionalmente tutelado. Considerou assim que, inexistindo uma regra, com valor constitucional, que diretamente proíba a diminuição das remunerações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, então só por referência a parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais como o princípio da confiança, se poderá concluir pela inconstitucionalidade da solução normativa que conduziu à redução dos acréscimos remuneratórios dos militares em funções na MCSUB. É certo que a jurisprudência constitucional, pelo menos no que respeita ao setor público, não extrai do direito constitucional à retribuição um direito fundamental à não redução da retribuição, nem aceita que, através da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da CRP ou do princípio da proibição do retrocesso social, se retire do direito infraconstitucional – artigo 129.º, n.º 1, alínea d) , do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) e artigo 72.º, n.º 1, alínea d) , da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – LTFP (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) – uma pretensão jusfundamental à não redução da retribuição. Nesse sentido, o Acórdão n.º 396/11 – seguindo a orientação já constante dos Acórdãos n. os 303/90, 786/96 e 141/02, e posteriormente seguido pelos Acórdãos n. os 187/13, 784/13 e 413/14 – sublinhou que «(Não) consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma direta e autónoma, uma garan- tia de irredutibilidade dos salários»; e também que «não colhe a argumentação de que existiria um direito à irredutibilidade do salário que, consagrado na legislação laboral, teria força de direito fundamental, por virtude da cláusula aberta do artigo 16.º, n.º 1, da Constituição»; pois «não se pode dizer, uma vez garantido um mínimo, que a irredutibilidade do salário seja uma exigência da dignidade da pessoa humana ou que se imponha como um bem primário ou essencial, sendo esses os critérios materiais para determinar quando estamos perante um direito subjetivo que se possa considerar “fundamental” apesar de não estar consagrado na Constituição e sim apenas na lei ordinária». O Tribunal acrescentou ainda que «o legislador constituinte teve a preocupação de estabelecer uma densa rede protetiva da contrapartida remuneratória da prestação laboral, dando consagração formal, no texto da Constituição, às garantias que entendeu serem postuladas pelas exigências de tutela, a este nível, da condição dos trabalhadores. Assim é que, para além do reconhecimento do direito básico à retribuição, manda-se observar o princípio de que “para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna” [alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º], fixa-se como incumbência do Estado “o estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional” [alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo], acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º). Não é de crer que o programa constitucional, tão exaustivamente delineado, nesta matéria, só fique integralmente preen- chido com a atribuição da natureza de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição, qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante. Direito fundamental, esse sim, é o “direito à retribuição”, e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/07). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o con- dicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de proteção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afetação ou restrição desse direito».
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=