TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

418 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL soluções de que tive ocasião de discordar a propósito de outras normas que impuseram sacrifícios reiterados a quem recebe por verbas públicas (veja-se, por exemplo, a Declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 187/13, incluindo norma que estendeu aos contratos de docência e de investigação as reduções remuneratórias; a Declaração de voto ao Acórdão n.º 413/14; a Declaração de voto ao Acórdão n.º 574/14 e a Declaração de voto ao Acórdão n.º 576/15). Não pode deixar de se considerar que a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade vem invo- cada veio agravar a acumulação de efeitos negativos, prejudicando aqueles que, com grande esforço, progre- diram na carreira esperando auferir do correspondente aumento remuneratório. Note-se que, no caso, não estamos perante qualquer progressão automática, antes nos encontrando perante uma situação em que a progressão é obtida com a realização da prova tradicionalmente considerada no ensino superior como sendo a prova fundamental do ponto de vista científico e académico. Ora, deve entender-se que, pela renovação da suspensão do vencimento correspondente à categoria, a interpretação normativa partilha (e agrava) das razões geradoras de inconstitucionalidade que apresentámos a propósito de outras medidas de contenção orçamental com reflexo na situação laboral e remuneratória dos trabalhadores que recebem por verbas públicas, incluindo os docentes do ensino superior politécnico, enunciadas nas declarações de voto referidas. E é, sobretudo, assim, quando se entende que a reiteração de medidas afetando repetidamente tais destinatários seria violadora do princípio da proporcionalidade, como tivemos ocasião de explicar, a outros propósitos, nas mencionadas declarações de voto acerca de outras normas orçamentais que, no mesmo período, impuseram medidas com idênticos objetivos de contenção salarial, a cujo efeito negativo esta interpretação normativa se vem juntar, ao dela resultar a suspensão da remuneração esperada. Nem se invoque que, no caso, a interpretação normativa é aplicável  a docentes do ensino superior poli- técnico enquadrados num regime transitório: mesmo deixando de lado a questão de saber se a imposição de um tal regime transitório, no modo como foi construído, pôs em causa a Constituição, que não é objeto do pedido, a verdade é que a norma da contratação obrigatória era, originalmente, uma norma que não servia apenas a proteção do docente, sendo também uma norma pensada para salvaguarda da dignidade da própria carreira docente do ensino superior. Do mesmo modo, a norma transitória – destinada a minorar os prejuízos causados às fundadas expectativas de quem ingressou na carreira docente esperando ter acesso ao lugar na carreira, na categoria e respetivo vencimento, após obtenção do grau de doutor, e independentemente do juízo que se pudesse fazer acerca do fim do regime anterior – não pode deixar de ser considerada, também, uma norma criada para salvaguarda dessas mesmas expectativas do docente e da dignidade da carreira. A situação não merece menor proteção pelo facto de se tratar de um regime transitório. Pelo contrário, este regime transitório serviu, precisamente, para acautelar a confiança fundada em expectativas merecedoras de proteção que, com a interpretação normativa que no processo se aplicou e agora se aprecia, acabam frustradas quanto ao aspeto remuneratório. 2. Mas ainda que não valessem estas razões, ou que destas se pudesse discordar, sempre persistiria aquele que é o especial fundamento da minha discordância com a decisão em causa, e que se prende com a circuns- tância de considerar que a interpretação normativa em apreciação viola o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alí- nea a) , da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”. Ao contrário do Acórdão, entendo que não pode uma medida de gestão ser razão suficiente para deter- minar que alguém que há vários anos desempenha funções na carreira docente do ensino superior politéc- nico, e que ao abrigo de um regime legal que o legislador escolheu (direito à contratação, com a obtenção do grau de doutor), acedeu, depois de prova de mérito, à categoria de professor adjunto, venha a receber remu- neração inferior à daquele trabalhador que, estando agora a ingressar na carreira docente do ensino superior politécnico, no âmbito de um regime de recrutamento excecional (artigo 50.º da LOE 2012, concurso

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