TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

416 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, tendo sido cumprida a obrigação de consulta pelos órgãos legiferantes (como o recorrente reco- nhece), o que importa determinar é se no cerne do direito de participação das organizações dos trabalhadores se inclui o direito a pronunciar-se sobre o texto de disposições que não constavam na versão sobre que incidiu a consulta. Na expressão de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 724, o alcance do direito à participação é delimitado através do conhecimento dos propósitos legislativos quanto ao regime a estabelecer (i) , a intervenção das organizações de trabalhadores a montante da decisão legislativa (ii), a possibilidade de influência real no conteúdo da legislação (iii), da integração da intervenção formal das organizações dos trabalhadores no processo legisla- tivo (iv) e da publicidade adequada ao processo de participação (v). No fundo, se o direito de participação configura um “direito de pressão legítima” (Lucas Pires, “Direito das comissões de trabalhadores de participar na elaboração da legislação de trabalho”, in Estudos sobre a Constituição, Vol. I, 1977, p. 378), o ponto que aqui se discute é o de saber se a publicidade dada às organizações de trabalhadores no processo de aprovação das normas em crise permitiu a sua participação em moldes a ser possível o exercício de uma influência no respetivo conteúdo. Ora, o requisito da publicidade não exige que a audição das associações sindicais ocorra apenas perante o texto final, uma vez fixado o conteúdo de todas as normas a aprovar. Basta-se, ao invés, com a indicação da intenção legislativa nos seus aspetos essenciais, como o Tribunal Constitucional teve ocasião de precisar no Acórdão n.º 430/93, de 7 de julho de 1993: «Desde que, como na presente situação ocorreu, se patenteiem às organizações representativas dos trabalha- dores documentos que, cabal e completamente, incorporem as linhas do regime intentado adotar pelo legislador, e desde que, no projeto formal de diploma, atendendo à intenção legislativa, se não desvirtuem aquelas linhas e os seus aspetos relevantes, então dever-se-á considerar que foi legitimamente cumprido o dever de consulta dos trabalhadores.» Mesmo que se acolha posição mais exigente (cfr. Jorge Bacelar Gouveia, “Os direitos de participação dos representantes dos trabalhadores na elaboração laboral”, in Novos Estudos de Direito Público , Âncora Editora, Lisboa, 2002, p. 511), a introdução de uma nova norma no seio do processo legislativo depois de ocorrida a participação das organizações dos trabalhadores só motivaria nova consulta caso se tratasse “de uma mudança fundamental do projeto que antes tivera sido submetido à apreciação inicial das entidades laborais que exer- ceram o seu direito de participação procedimental”. Delineados os termos do problema, é bom de ver que as disposições que contêm a norma cuja confor- midade constitucional é questionada não configuraram surpresa para as organizações dos trabalhadores. Na verdade, tais preceitos limitam-se a desenvolver o princípio geral de proibição de valorização remuneratória (constante do n.º 1 do artigo 20.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, ao manter a vigência do n.º 1 do artigo 24.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011) que foi objeto da participação na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Proposta de Lei n.º 27/XII, então no n.º 1 do artigo 17.º), explicitando a sua aplicação aos casos em que a atualização salarial se daria por efeito automático da aquisição de graus ou títulos. Nestes termos, as estruturas sindicais foram envolvidas na adoção da norma geral de proibição da valo- rização salarial, o que lhes permitiu conhecer e influenciar a intenção legislativa. O seu desdobramento em normas especialmente dirigidas à valorização remuneratória por efeito da aquisição de títulos ou graus não é, por isso, fator relevante na delimitação do direito de participação. Entende-se, em consequência, que o desígnio legislativo subjacente à regra de conservação remunera- tória foi objeto de participação, não sendo transgredido o comando constitucional da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º da Constituição, mesmo que se tenha a normação sindicada como “legislação do trabalho”.

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