TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por isso, perante a natureza sancionatória da consequência que pode derivar para o comportamento do traba- lhador, temos de concluir pela relevância do procedimento sancionatório para os efeitos do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República. Por outro lado, não é a exigência de fundamentação da decisão de despedimento que pode preencher o vazio de não ter sido, em tempo, exercido o direito de defesa, já que é o trabalhador que sabe a forma como deve empreen- der a sua defesa, e, sobretudo o modo e a altura de a exercitar. Pelas supra citadas razões não podemos deixar de sufragar o acórdão da Relação, na parte em que considerou que o procedimento padece de irregularidade, pois a instrutora não podia deixar de ter explicitado as razões por que não satisfez a pretensão do trabalhador de ser junta a conta-corrente que invoca na resposta à nota de culpa, pois só perante elas é que se poderia ajuizar da sua inutilidade face à defesa apresentada.» (fls. 866-868) A solução consagrada no artigo 389.º, n.º 2, do CT é inovadora relativamente à solução homóloga prevista no CT de 2003. A tal respeito, considera Maria do Rosário Palma Ramalho: «Para esta situação, o CT anterior previa a possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar para cor- rigir o vício do processo, retomando-se a contagem do prazo de prescrição da infração disciplinar e do prazo de caducidade do procedimento disciplinar. Esta solução – que foi objeto de apreciação preventiva da constituciona- lidade [Acórdão n.º 306/03] – foi justificada no facto de, com alguma frequência, o fundamento da impugnação do despedimento ser uma irregularidade processual, sem que subsistam dúvidas sobre a justa causa para o despe- dimento. Contudo, como tivemos ocasião de referir oportunamente, esta solução causava estranheza por vários motivos: em primeiro lugar, porque premiava o empregador que praticou um ato de negligência no processo, que só a ele era imputável; em segundo lugar, porque eternizava o procedimento disciplinar, que era contrário ao princípio da celeridade que domina esta matéria; por outro lado, porque redundava num segundo julgamento do trabalhador pela mesma infração; e, por fim, porque não ficava claro o destino do próprio processo de impugnação de despedimento neste caso. O atual Código do Trabalho abandonou esta solução em favor do regime que agora consta do art. 389.º n.º 2. Assim, no caso de a ilicitude do despedimento se fundar na invalidade do processo pelos motivos estabelecidos nessa norma, mas persistirem os fundamentos substanciais do despedimento, o trabalhador apenas tem direito a uma indemnização. Contudo, esta indemnização não constitui uma alternativa à reintegração – efeito da ilicitude que fica, assim, excluído à partida – e o seu valor é reduzido para metade daquele que resultaria dos critérios gerais. Como acima referimos, trata-se de uma solução salomónica, que procura conciliar os valores em jogo. É que, por um lado, não deixa de se atender ao facto de o despedimento ser substancialmente justificado, o que explica que se afaste a reintegração do trabalhador e se reduza o valor da indemnização a arbitrar ao trabalhador. Mas por outro lado, penaliza-se o empregador que incorreu ele próprio, num comportamento desconforme com a lei (ainda que em termos processuais), fazendo-o incorrer no dever de indemnizar» (v. Autora cit., Tratado de Direito do Trabalho, cit., pp. 865-866). O legislador valora, deste modo, autonomamente o direito de defesa do arguido em procedimento disciplinar, sem prejuízo de admitir que, na ausência de irregularidades com relevância invalidante e face à subsistência dos factos e fundamentos da decisão de despedimento apurada judicialmente, tal decisão não seja declarada ilícita. No fundo, o legislador, além de desincentivar uma atuação procedimentalmente hostil à defesa do arguido, pretende compensar este último pela necessidade de, em virtude de os seus direitos de defesa procedimental terem sido violados, recorrer ao tribunal para esclarecer definitivamente a justificação do despedimento de que foi alvo. O aludido caráter “salomónico” resulta da ponderação entre, por um lado, o interesse que atende à subsistência, comprovada no âmbito de um processo judicial em que são observadas as garantias próprias de tal tipo de processo, da justificação material do fundamento do termo de uma relação
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