TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
395 acórdão n.º 324/17 É igualmente neste quadro que se compreende a finalidade de atribuição do direito a uma compensação ao trabalhador despedido, mesmo nos casos em que, afinal, o despedimento em causa, apesar das limitações ao direito de audiência e defesa traduzidas em irregularidades formais verificadas no procedimento discipli- nar que o antecedeu, vem a ser considerado como lícito. Como se refere na decisão recorrida: «Efetivamente, resulta do n.º 1 do artigo 355.º do CT/2009 que o trabalhador tem 10 dias para responder à nota de culpa que lhe foi dirigida, podendo invocar, por escrito, os elementos que considere relevantes para esclare- cer os factos de que é acusado e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar a realização de diligências probatórias que sejam pertinentes para descoberta da verdade. E estabelece o n.º 1 do artigo 356.º do CT (na versão da Lei 23/2012, de 25/6), que o empregador deve rea- lizar as diligências requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias, ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito. Ora, como se escreve no acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de maio de 2014, proferido no processo n.º 553/07.2TTLSB.L1.S1 (Leones Dantas), e cuja argumentação vamos seguir de perto, estes dois dispositivos são expressão do princípio do contraditório no procedimento disciplinar, estabelecendo os mecanismos da sujeição do procedimento àquele princípio, e que por isso, se assume como um dos elementos estruturantes do procedi- mento conducente à aplicação duma sanção disciplinar. É nesta linha que se compreende que a recusa de realização das diligências requeridas pelo trabalhador, nos termos do n.º 1 do artigo 355.º, há de assumir a forma escrita e tem de ser fundamentada, conforme exige o n.º 1 do artigo 356.º, fundamentação que há de transmitir as razões objetivas que levam a entidade empregadora a con- siderar as diligências requeridas como impertinentes e dilatórias, ou seja, sem interesse para a defesa do trabalhador. A empregadora tem, assim, de ajuizar as diligências requeridas e os objetivos com as mesmas visadas pelo traba- lhador e se concluir pela sua inutilidade, deve plasmar as respetivas razões em despacho do instrutor, não bastando considerar as diligências impertinentes, sem mais. Por isso, as razões em que assenta o juízo da sua inutilidade devem constar da fundamentação desse despacho, impondo-se-lhe demonstrar a inutilidade das mesmas, quando ponderadas à luz dos objetivos que podem justificar a sua realização. “E só perante a justificação documentada na fundamentação o tribunal pode considerar ajustada ou não a recusa e afastar qualquer suspeita de invalidade do procedimento que seja associada a tal recusa”, conforme con- cluiu o acórdão que vimos seguindo. Como suporte desta posição invoca-se o disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portu- guesa, que impõe a observância dos direitos de audiência e de defesa do arguido em quaisquer processos sanciona- tórios, não existindo dúvidas de que o processo disciplinar laboral se apresenta como um dos processos sanciona- tórios abrangidos pela previsão da dita norma constitucional, nos termos da qual “é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas” E assim sendo, não é possível um processo sancionatório que não assegure os direitos de defesa dos arguidos, sendo inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 526). E continuando a seguir o supra citado acórdão, não é, seguramente, o facto de o trabalhador poder impugnar o despedimento, relegando para a fase jurisdicional a apresentação das suas provas, que minora a consequência da falta da realização da diligência requerida, pois a eventual preterição dos direitos de defesa do trabalhador para o momento jurisdicional pode colocar definitivamente em causa o efeito útil de tais direitos. Por outro lado, da garantia da segurança no emprego, prevista no artigo 53.º da Constituição, decorre que o despedimento deve satisfazer exigências procedimentais, pois estamos perante a imputação de um facto censurável a um trabalhador, cuja relevância em termos disciplinares pressupõe a existência dum procedimento com vista à criação de uma sanção.
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