TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

39 acórdão n.º 280/17 se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.» 10. No Acórdão n.º 653/16 o Tribunal Constitucional também teve de responder a uma outra ale- gação do Ministério Público – esta no sentido de que a solução contida no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, não seria orga- nicamente inconstitucional, por reproduzir o artigo 33.º-A, n.º 4, do Código das Custas Judiciais, entretanto revogado. Esta linha argumentativa é afastada pelo Tribunal Constitucional, no ponto 9 da referida decisão: «Tem vindo a ser reconhecido que «como é jurisprudência constante deste Tribunal Constitucional, uma norma emitida sem autorização parlamentar só padece do vício de inconstitucionalidade orgânica quando estipula qualquer efeito de direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da República, não sendo possível imputar-lhe esse vício quando se limita a reproduzir o regime preexistente (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n. os 211/07, 310/09 e 176/10)» (cfr. Acórdão n.º 311/12, ponto 7). No Acórdão n.º 311/12, bem como nos arestos citados, a questão colocada prendia-se com a possibilidade de regulação de uma matéria contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República por decreto-lei não precedido por autori- zação legislativa (o mesmo pode ser dito, entre outros, dos Acórdãos n. os 77/88, 299/92, 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03, 123/04, 340/05 e 114/08). Esta jurisprudência incide, pois, sobre a relação entre a competência legislativa (reservada) da Assembleia da República e a competência legislativa do Governo. Ora, a questão colocada no presente processo não se inscreve nesse âmbito, mas antes no domínio da distinção entre o exercício da função legislativa e da função administrativa. Efetivamente, no presente processo, estamos perante a regulação por portaria da reclamação da conta de custas de parte, de forma inovatória face ao ato legislativo (ao RCP), que é invocada como sua base habilitante. O objeto de análise é, assim, o da constitucionalidade do exercício da função administrativa, através de um ato regulamentar, para emitir a norma questionada, face à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e, consequentemente, à reserva de lei em sentido material (ou de função legislativa). De facto, se concluirmos que a matéria em questão está abrangida pela reserva decorrente do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, logicamente ela estará subtraída à função administrativa, de onde decorreria a desconformidade constitucional da norma objeto do presente processo. Sobre esse aspeto, no entanto, não podem ser retiradas consequências da citada jurisprudência. A orientação jurisprudencial referida não habilita a emissão de um ato regulamentar da função administrativa – no caso, uma portaria – inovatório face ao quadro legal vigente, em matéria abrangida por reserva de lei, só porque reproduz norma legal anterior à sua emissão e, entretanto, revogada. Assim, a eventual inconstitucionalidade orgânica da norma em causa não é afastada por esta alegadamente reproduzir o artigo 33.º-A, n.º 4, do CCJ. A questão prende- -se, isso sim, com a eventual violação da reserva material de lei, matéria que será analisada no ponto seguinte.» 11. Acompanha-se a fundamentação dos Acórdão n.º 189/16 e Acórdão n.º 653/16. Não resulta, com efeito, do RCP nenhuma norma que regule diretamente a questão da reclamação da conta de custas de parte, constando esta regulação, e mais concretamente, a imposição do depósito da totalidade das custas de parte para que se possa reclamar da nota justificativa apresentada, exclusivamente da Portaria n.º 419-A/2009. Impondo a Constituição que esta matéria seja disciplinada, pelo menos em termos inovatórios, através do exercício da função legislativa (por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado do Governo), não se pode admitir que tal seja feito através de ato normativo emitido no exercício da função administrativa (por um regulamento administrativo do Governo, no caso, por uma portaria).

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