TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

385 acórdão n.º 296/17 inocência e não lhe está acometida qualquer “ónus” probatório em sede de processo penal, antes competindo ao Ministério Público sustentar em julgamento a acusação com a “colaboração subordinada” do assistente, como expressamente decorre dos n. os 2 e 4 do artigo 32.º da CRP e do artigo 69.º, n.º 1, do CPP. Não obstante, fez-se expressamente constar da decisão reclamada que se verificam, na Europa, crescentes manifestações do incremento da intervenção processual da vítima de forma autónoma face ao Ministério Público, referindo-se até que não se desconhecia a relevância que o legislador tem atribuído ao tema, quer em sede do estipulado na parte final do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, quer, acrescenta-se agora, com a aprovação do recente «Estatuto da Vítima» (aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, na sequência da Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012). Mas mais: o recurso apresentado pelo assistente, com reporte ao pedido civil que enxertou no processo penal contra os arguidos, mereceu despacho de admissão e irá ser apreciado no Supremo Tribunal de Justiça, o que uma vez mais põe em crise a propalada afirmação de ausência de tutela da vítima. É, por conseguinte, infundada a afirmação que perpassa por todo o teor da reclamação do assistente no sentido de que a vítima se encontra, no ordenamento jurídico português, desprovida de tutela, em violação do artigo 20.º da CRP. 8. No que concerne às alegadas nulidades – por preterição dos artigos 410.º, 412.º e 379.º, todos do CPP – de que, segundo o reclamante, padece a decisão proferida em 2.ª instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa (ponto 25 da reclamação), importa clarificar que tal sindicância encontra-se subtraída do âmbito dos poderes cognitivos deste Tribunal Constitucional. Ainda assim, importa dizer que as pretensas nulidades antes consubstanciam um meio de que o recla- mante se muniu para expressar a sua discordância com a concreta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. pontos 129 a 140 das conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça), que inverteu o sentido decisório da primeira instância e absolveu os arguidos do crime que lhes era imputado. Sucede que, tal como acolhido na Lei Fundamental, o recurso de constitucionalidade não visa nem pode destinar-se a sindicar o ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, dado que a este Tribunal Constitucional está legalmente vedado o controlo das operações subsuntivas realizadas pelo julgador (cfr. os Acórdãos deste Tribunal Constitucional, n. os 303/02, 633/08 e 381/00). 9. Relativamente à alegada recente jurisprudência deste Tribunal sobre o sistema recursório que justifi- caria decisão distinta, já em sede de decisão sumária se frisou que a fundamentação aí explanada não tinha qualquer paralelismo com os autos, nem consentia transposição para os mesmos. Recorde-se que o invocado aresto n.º 429/16 deste Tribunal “julgou inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro”. Ora, nada disso sucedeu nestes autos, dado que os arguidos foram absolvidos e haviam sido, inicialmente em sede de primeira instância, condenados em pena de multa e não em pena privativa da liberdade, parâmetro fundamental no juízo decisório de inconstitucionalidade que ali se perfilhou. 10. Finalmente, quanto à afirmação do reclamante no sentido de que “não aceita que o sistema recur- sório penal tenha que acautelar ou proteger o STJ reservando-o apenas para as questões de maior importân- cia”, é igualmente matéria que ultrapassa o poder de sindicância deste Tribunal. Na verdade, num Estado de direito democrático, como estipula o artigo 2.º da CRP, ao reclamante é, evidentemente, reconhecida liberdade de expressão e de crítica quanto ao modelo de organização judiciária acolhido na Lei e até na Constituição, legítimo juízo crítico que deverá, contudo, dirigir ao poder legislativo e não a este Tribunal.

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