TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II – Fundamentação 6. Como supra se referiu, foi proferida nestes autos Decisão Sumária, atenta a simplicidade da causa, em face da reiterada jurisprudência deste Tribunal quanto ao thema decidendum suscitado. Na reclamação ora apresentada, o assistente reitera o argumentário já antes expendido, não pondo ver- dadeiramente em causa o teor da Decisão Sumária proferida nem os moldes em que o foi, limitando-se a persistir na manifestação da sua “discordância” com o âmago do decidido. Para o efeito, reitera, no essencial, os seguintes argumentos: i) a decisão confere “ao infrator mais meios para provar a sua inocência do que à vítima para demonstrar a violação dos direitos de que foi objeto” (ponto 9 de fls. 194); ii) a vítima merece o reconhecimento de direitos na mesma medida do arguido, sendo que “negar idêntica proteção normativa” viola o preceituado no artigo 20.º da CRP (pontos 12 e 20 de fls. 194 e 196); iii) a decisão da segunda instância encontra-se ferida de nulidade (ponto 25 de fls. 198); iv) “não aceitamos que o sistema recursório penal tenha que acautelar ou proteger o Supremo Tribunal de Justiça, reservando a sua intervenção apenas para as questões de maior relevo (ponto 46 de fls. 201), dado que não haverá “maior relevo, do que a possibilidade de abaixo ter sido cometido um erro judiciário violador dos direitos, liberdades e garantias de alguém?”. Ora, todos estes fundamentos, que na perspetiva do reclamante seriam suscetíveis de demandar uma inversão da decisão proferida, foram já apreciados e não sobreveio razão que justifique uma inflexão do ante- riormente decidido. Senão vejamos. 7. O cerne da argumentação do assistente reside no pressuposto de que existe paridade entre as figuras do arguido e do assistente. Porém, como já se explanou na Decisão Sumária ora posta em crise, tal “pressuposto” carece de respaldo legal e constitucional, sendo certo que o regime jurídico que conforma as figuras do arguido e assistente em direito penal é, na verdade, substancialmente distinto, precisamente por imposição constitucional dada a evidente destrinça que carateriza a natureza da intervenção de cada um deles nesta sede. Para além da jurisprudência constitucional, que já na decisão sumária se explanou para esclarecer a dife- renciação entre aquelas figuras, adita-se agora o seguinte: como afirmam os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento, que podem ser legítimas quando se baseiem numa distinção objetiva de situações ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 3.ª edição revista, Coimbra, 2014). E este é precisamente o busílis da questão: a lei processual penal não consagra uma posição paritária entre arguido e assistente, porque inexiste razão material para lhes conceder in totum os mesmos direitos ou o mesmo grau de intervenção na conformação do objeto do processo. A constituição de arguido é, ela mesma, uma garantia dada àquele que vê dirigir-se contra si um pro- cesso penal, sendo devidamente formalizada no decurso da tramitação processual. É o arguido que pode ver a sua liberdade restringida por força do poder punitivo do Estado, reconhecendo-lhe a lei, em virtude dessa circunstância, que não é partilhada pela vítima, direitos processuais autónomos, que deverão ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal. Assim, o estatuto processual do arguido está enformado por três vetores fundamentais: o direito de defesa; o princípio da presunção de inocência; e o princípio do respeito pela decisão de vontade do arguido Além disso, e contrariamente ao propugnado pelo assistente no ponto 9 da reclamação – mas admi- tindo-se que seja essa uma das falácias em que estriba toda a sua argumentação – não impende sobre o “infrator mais meios para provar a sua inocência do que à vítima”. Na verdade, de acordo com a Constitui- ção Portuguesa, o alegado “infrator” recebe a denominação de arguido, goza de presunção constitucional de

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