TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Finalmente, importa ainda salientar que muito dificilmente se poderia argumentar no sentido de que a alte- ração trazida pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, à regulamentação da matéria da reclamação das custas de parte não é inovatória relativamente ao que acontecia anteriormente: de facto, ao passo que, na versão inicial da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, se condicionava a possibilidade de reclamar da nota justificativa ao depósito de 50 % do valor da nota, após a alteração efetuada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, passou a impor-se o depósito da totalidade do valor da nota para a reclamação da nota justificativa. Em conclusão, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na reda- ção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, com o sentido de que “[a] reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”, é inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , conjugado com o artigo 20.º, n.º 1, ambos da CRP.» 9. No Acórdão n.º 653/16, decidiu-se aderir à fundamentação do Acórdão n.º 189/16, renovando o julgamento aí formulado. Para além disso, em resposta às alegações do Ministério Público, no mesmo Acórdão desenvolveu-se o facto de a norma objeto de litígio, devido ao seu conteúdo, se encontrar abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, referindo-se, no ponto 10: «O Tribunal Constitucional já decidiu que a específica imposição de condições à possibilidade de reclamação de questões atinentes a custas judiciais, como é o caso das custas de parte, afeta o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Efetivamente, o Acórdão n.º 678/14, ponto 10, afirma que é «pacífico o caráter restritivo que a norma em apreciação comportava face ao direito previsto no artigo 20.º da Constituição», tendo como ponto de partida o Acórdão n.º 347/09, que apreciou a constitucionalidade do artigo 33.º-A do CCJ, que tinha um conteúdo “análogo” ao sob apreciação. O mesmo foi reiterado no Acórdão n.º 189/16, ponto 6. De facto, o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, desde o Acórdão n.º 307/90, no ponto IV 4., «A Constituição da República, em nenhum dos seus preceitos, ou princípios dela imanentes, aponta para a gratuitidade da administração da justiça. Mas, se isto é certo, menos não é que, se for exigido, sem mais, a quem recorra aos tribunais para a defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, exorbitantes quantitativos monetários, obviamente que, por essa via de certo modo indireta, se restringe tal recurso, mormente se quem desejar dele lançar mão não desfrutar de meios económicos que, sem grande sacrifício, possam suportar aqueles quantitativos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª edição, p. 182, que assinalam que ‘o reconhecimento do direito de recorrer aos tribunais seria meramente teórico se não garantisse que o direito a via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios econó- micos’)». A imposição, pela portaria, da necessidade de depósito da totalidade do valor da nota justificativa da conta de custas para que dela se possa reclamar, junto do tribunal, deve ser considerada, neste aspeto, um condicionamento restritivo inovatório do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Não está em causa um mero aspeto regulatório de ato legislativo, mas a imposição de um ónus ao reclamante, sem base em norma legal prévia. Ora, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais da República inclui uma posição sub- jetiva «de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias» (cfr. Acórdão n.º 347/09, ponto 8, cfr. também o Acórdão n.º 189/16, ponto 7), que está aqui em presença. Nesses termos, por força do artigo 17.º da Constituição, «é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça» (cfr. Acórdão n.º 189/16, ponto 7), onde se inclui a reserva material de lei. Assim, acompanhamos a conclusão retirada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 189/16, ponto 7, de que «tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por portaria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para

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