TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 16 – O direito de participação do ofendido no processo penal, apesar de já estabelecido em lei ordinária, foi introduzido pela Quarta Revisão Constitucional, nomeadamente, porque podem estar em causa direitos funda- mentais, em especial, direitos liberdades e garantias, do ofendido no processo criminal. O artigo 32.º da Constitui- ção da República Portuguesa no atual n.º 7 visou, desta forma, dar dignidade constitucional ao direito do ofendido a intervir no processo. 17 – O conceito de ofendido, tal como foi defendido por Beleza dos Santos in Beleza dos Santos, «Partes Par- ticularmente Ofendidas em processo criminal», in RLJ , ano 57, (1924-25) e que a propósito escrevia “o que deve entender-se pela expressão partes particularmente ofendidas? Penso que devem assim considerar-se os titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger quando formulou a norma penal. Quando prevê e pune os crimes, o legislador quis defender certos interesses: o interesse da vida no homicídio, o da integridade corporal nas ofen- sas corporais, o da posse ou propriedade no furto, no dano ou na usurpação de coisa alheia. Praticada a infração, ofenderam-se ou puseram-se em perigo estes interesses que especialmente se tiveram em vista na proteção penal, podendo também prejudicar-se secundariamente, acessoriamente, outros interesses. Os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger quando previu e puniu a infração e que esta ofendeu ou pôs em perigo, são as partes particularmente ofendidas, ou diretamente ofendidas e que, por isso, se podem constituir acusadores”, corresponde também a um conceito de vítima restrito, 18 – O assistente foi definido como “o sujeito processual que intervém no processo como colaborador do Ministério Público, na promoção da justa aplicação da lei ao caso e legitimado em virtude da sua qualidade de ofendido ou de especiais relações com o ofendido pelo crime ou da natureza deste (artigo 69.º, n.º l) in Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal 1 , Ano 2010, pág. 355. 19 – No que tange ao artigo 68.º n.º 1 al. a) do CPP, cumpre determinar quem são as partes particularmente ofendidas. São ofendidos os titulares do interesses que a lei quis especialmente proteger quando formulou a norma penal. Quando prevê e pune os crimes, o legislador quer defender certos interesses que são violados quando é praticada a infração. 20 – Então negar ou não reconhecer idêntica proteção normativa entre Ofendido/Assistente e Arguido será violar o princípio constitucionalmente consagrado de Acesso ao direito e Tutela jurisdicional efetiva, ínsito no artigo 20.º da CRP: “Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva) 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legal- mente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicas. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer- -se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judi- ciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” 21 – Esta dicotomia de tratamento e proteção – Ofendido/Arguido – é a primeira divergência e motivo da recorrente suscitar a questão da inconstitucionalidade da norma legal aplicável. Prosseguindo, 22 – Temos ainda que a pretexto de reservar o acesso ao 2.º grau de recurso, ou seja ao STJ, às questões de maior relevância social, o legislador acabou por conferir maior proteção à ação cível, em detrimento da ação penal. 23 – Veja-se que, na jurisdição cível, numa ação de valor superior a € 30 000,01, só uma dupla conforme impede o acesso ao duplo grau de recurso e a um escrutínio do STJ.
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