TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
375 acórdão n.º 296/17 cláusula de salvaguarda, admitindo tal recurso no caso de a condenação em primeira instância ter sido em pena de prisão superior a 5 anos. Tal limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça encontra fundamento bastante, por um lado, na necessi- dade de racionalização do sistema judiciário, em particular, nas causas levadas àquele Tribunal, a quem se demanda uma resposta atempada, evitando assim a sua paralisação e, por outro lado, estriba-se também na circunstância de estarem em causa condenações inferiores a 5 anos de prisão (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/07 e jurisprudência aí citada e Acórdãos n. os 49/03, 255/05 e 353/10). Por outro lado, quanto ao papel do ofendido no processo penal, também o número 7 do art. 32.º da Consti- tuição – onde se lê o ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei – foi introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro. Ora, a este propósito, o Tribunal Constitucional vem perfilhando que, não valendo para o assistente o disposto no n.º 1 do artigo 32.º e não decorrendo do n.º 7 do mesmo artigo qualquer equiparação do estatuto deste sujeito processual ao do arguido, a questão da admissibilidade de recurso por parte do primeiro deve ser perspetivada à luz do que se dispõe no artigo 20.º, n.º 1, da CRP (Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 259/02, 464/03, 399/07 e 153/12). Com efeito, como já se estabeleceu no acórdão n.º 132/92, o princípio da igualdade nivela a posição dos sujei- tos processuais dentro do direito de defesa e em favor da mesma defesa. Significa que o arguido não deve ter menos direitos, mas não que não possa ter mais. E, nesta senda, ali se estabeleceu que «(…) este Tribunal considera que, independentemente da natureza de «parte» ou de «sujeito» que se queira atribuir ao arguido e ao assistente em processo penal, a nossa Constituição não consagra, não quis consagrar, quanto a eles, um princípio de igualdade em matéria do direito ao recurso. Ou seja: o princípio da igualdade de armas é um princípio que opera essencialmente no âmbito do direito de defesa, no âmbito da preocupação de não colocar o arguido em desvantagem relativamente aos meios pro- cessuais de que dispõe a acusação com vista à formação da convicção do tribunal. E qualquer dúvida que possa subsistir nesta matéria logo se dissipará se tomarmos em consideração o direito constitucional comparado, e mais propriamente o do sistema jurídico onde o processo penal mais aparece configurado como um «processo de partes», o sistema constitucional-penal dos Estados Unidos da América. Pois bem: aí onde o processo penal mais está orientado pelo princípio do dispositivo, aí onde o processo penal mais se configura como um «processo de partes», caracterizando-se pela plea bargaining , aí justamente também nunca se admitiu um direito igual ao recurso entre a acusação e a defesa. O princípio da proibição da double jeopardy, duplo risco, impede em absoluto que o arguido, depois de absolvido em primeira instância, possa ser novamente julgado num tribunal superior, por via de recurso. Eis o que dizem perentoriamente a este respeito os comentadores da obra The Constitution of the United States of America. Analysis and Interpretation (ed. J. H. Killian e L. E. Beck, U. S. Government Printing Office, Washington, 1987, p. 1231): Que um arguido não pode ser novamente julgado após uma absolvição [ acquittal ] é «a regra mais funda- mental na história da teoria [ jurisprudence ] do duplo risco». «A lei liga particular significado a uma absolvição. Permitir um segundo julgamento após uma absolvição, por errada que a absolvição possa ter sido, representaria um risco inaceitavelmente elevado de que o Governo, com os seus recursos vastamente superiores, pudesse ven- cer a resistência do arguido, de modo que, ‘mesmo apesar de inocente, ele pudesse ser considerado culpado’». Ao passo que em outras áreas da doutrina do duplo risco é dada consideração ao interesse público em se poder chegar, para fins de segurança pública, a uma conclusão do julgamento criminal isenta de erros, tal equilíbrio de interesses não é permitido em relação a absolvições, «não importando quanto erróneas», não importando sequer que elas fossem «extraordinariamente erróneas». Sendo final a absolvição, não há recurso [ appeal ] governamental constitucionalmente possível de tal julga- mento (…)
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