TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
37 acórdão n.º 280/17 notar que tanto a doutrina (cfr., por todos, Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª edição, Wolters Kluwer, Coimbra Editora, 2010, p. 304) bem como a jurisprudência deste Tribunal têm consi- derado este direito como análogo a um direito, liberdade e garantia (cfr. Acórdão n.º 237/90 de 3 de julho de 1990, disponível e m http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ) e que é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça (ainda que este mesmo consenso não se verifique em relação a todos os direitos análogos: cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, op. cit. , p. 308). Partindo destes pressupostos, a matéria em causa deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da CRP, e, além disso, ainda deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Vejamos: A lei que regula na atualidade a matéria das custas judiciais é o Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, o qual estabelece, no caso da conta de custas, os termos da possibilidade de reforma e reclama- ção no seu artigo 31.º Em matéria de reforma e reclamação da conta de custas, este preceito não prevê hoje qualquer condicio- namento, contrariamente ao que sucedia no passado. Constituindo as custas de parte matéria dependente da disciplina da conta de custas (artigo 26.º do RCP), verifica-se que a Portaria n.º 82/2012 veio com a exigência do depósito da totalidade da conta de custas de parte constituir ex novo uma condicionante do acesso ao direito. O legislador pode, todavia, remeter para portaria a regulamentação de aspetos não restritivos de direitos, liber- dades e garantias ou, eventualmente, outros aspetos desde que sejam suficientemente balizados pela respetiva lei habilitante. Porém, no que concerne à norma em análise no presente caso, não apenas o RCP nada diz quanto à possibi- lidade de reclamação das custas de parte, como nem sequer consagra expressamente qualquer remissão de regu- lamentação para portaria, como fazem, por exemplo, os artigos 29.º, n.º 3, e 30, n.º 3, do RCP, no respeitante a outros aspetos da conta de custas. Com efeito, além do artigo 4.º, n.º 7, e do entretanto revogado artigo 22.º, n. os 5 e 10, ambos do RCP, o legislador apresenta como habilitação da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, o artigo 29.º, n.º 3, do RCP, de acordo com o qual “[a] elaboração e o processamento da conta são regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, podendo ser aprovadas outras formas de processamento e elaboração da mesma”; o artigo 30.º, n.º 3, do RCP, nos termos do qual “[a] conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”; o artigo 32.º, n.º 8, do RCP, à luz do qual “[a]s formas de pagamento de custas judiciais são regulamentadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”; e o artigo 39.º que estabelece que “[o] destino das custas processuais é fixado por portaria dos membros dos Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”. Ora, de nenhuma destas normas decorre qualquer habilitação específica que possibilite a regulamentação da matéria das custas de parte, que, aliás, aparece incluída no Capítulo IV do Título II do RCP, ou seja, num Capítulo e Título diferentes daquele em que é regulada a matéria da conta de custas. Mais: no Capítulo IV relativo às custas de parte inexiste qualquer remissão para portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, tal como acontece nos demais casos mencionados. (…) Em suma, tendo em conta que a matéria da reclamação das custas de parte é unicamente regulada por por- taria e, mais concretamente, que se impôs o depósito da totalidade das custas de parte para se poder reclamar da nota justificativa apresentada, estando em causa uma restrição ao direito fundamental ao acesso ao direito e não existindo uma habilitação específica para o efeito no RCP nem em qualquer outra lei, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
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