TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL depositar na ordem jurídica de um Estado de direito: impõe-se, de facto – como se pôs em evidência no Acórdão n.º 330/90 (publicado no Diário da República , II Série, de 19 de março de 1991) – que este organize “a proteção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida”». 8. Foi com base no reconhecimento da similitude existente entre a solução censurada pelos arestos acabados de transcrever e aquela que emerge da alteração introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 31/2012 na alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 que, nos Acórdãos n. os 297/15 e 360/15, se concluiu pela inconstitucionalidade da norma extraível deste último preceito legal, quando interpretado no “sentido de não impedir a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, para sua habitação ou dos seus descen- dentes em 1.º grau, quando o arrendatário, à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, se mantivesse no local arrendado há 30 ou mais anos”. Não há qualquer razão para nos afastarmos de tal entendimento. O facto de se haver completado, sob a vigência do regime jurídico revogado (RAU), o período de per- manência do arrendatário no locado suscetível de obstar, de acordo com tal regime, à denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na necessidade do prédio para sua habitação ou dos seus descendentes em primeiro grau, não só criou nos locatários a legítima expectativa de não mais poderem ser despejados sob invocação de tal circunstância, como razoavelmente os terá conduzido a orientar as suas vidas nesse pressuposto, em particular a prescindir da ponderação de soluções habitacionais alternativas em termos que, de outra forma, não teriam tido com toda a probabilidade lugar. Para além de suprimir o direito do arrendatário, adquirido no âmbito da vigência do RAU, a permanecer no locado por si nessa qualidade habitado há 30 anos ou mais — desconsiderando, desse modo, uma situa- ção jurídica integralmente estabilizada à luz do regime jurídico revogado −, a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012 no âmbito do regime transitório originariamente estabelecido no artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 não encontra amparo em quaisquer “razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não con- tinuidade do comportamento que gerou a[quela] situação de expectativa” (cfr. Acórdão n.º 128/09). De acordo com o que se viu já resultar da explicitação constante da alínea b) do artigo 1.º da Lei n.º 31/2012 – onde se define o respetivo objeto –, a alteração do “regime transitório dos contratos de arren- damento celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro”, tem por finalidade “reforça[r] a negociação entre as partes e facilit[r] a transição dos referidos contratos para o novo regime, num curto espaço de tempo”. Tal motivo, conforme notado no Acórdão n.º 360/15, está longe de revelar uma qualquer razão de interesse público suscetível de contrariar ou infirmar o caráter, senão arbitrário, pelo menos excessivamente oneroso daquela alteração legislativa, que se viu já indiciado pelas expectativas na estabilidade e na constân- cia da solução jurídica agora eliminada a que, por via até dos antecedentes normativos mais recuados (cfr. Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro), o sentido das precedentes intervenções legislativas foi dando sucessiva e legitimamente lugar. Trata-se apenas de uma tentativa de “aproximação ou equiparação de regimes entre contratos antigos e novos”, sem apoio em qualquer outro fundamento para além do invocado, que desconsidera — por ausência de norma transitória análoga àquelas que foram incluídas, primeiro no Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro, e, depois dele, na própria Lei n.º 6/2006, de acordo com a sua versão originária — “a posição jurídica dos arrendatários de longa duração que já tivessem adquirido, de acordo com o regime pregresso, o direito de permanência no local arrendado” ( idem ). Importa, assim, concluir também aqui pela inconstitucionalidade material da norma sindicada, por vio- lação do princípio da proteção da confiança legítima, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.
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