TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
364 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conforme se entendeu na decisão recorrida, o tempo mínimo de permanência exigido se tivesse completado no domínio da lei antiga e, em face do que nela se dispunha, o arrendatário tivesse adquirido por essa via o direito a permanecer no locado. É, portanto, a eliminação do direito do arrendatário à subsistência do vínculo locatício, integralmente formado ao abrigo do regime jurídico entretanto revogado, que cumpre seguidamente confrontar com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, extraíveis do artigo 2.º da Constituição. 7. De acordo com o entendimento estavelmente firmado na jurisprudência constitucional, o princí- pio geral da segurança jurídica, amplamente entendido, aponta para o reconhecimento a todo o indivíduo do “direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico” (cfr. Acórdão n.º 345/09). Enquanto refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Cons- tituição, o princípio geral da segurança jurídica postula, assim, “uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”. Por isso, “a nor- mação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiada opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica” (cfr., por todos, Acórdão n.º 303/90). Tal como vem sendo configurada na jurisprudência constitucional, a lesão da tutela da confiança exige, num primeiro momento, que, ao editar a norma contestada, o legislador ordinário haja intervindo em sen- tido contrário às legítimas expectativas que os particulares depositavam na continuidade da ordem jurídica, na sua duração estável e na previsibilidade da sua mutação; num segundo momento, tal lesão pressupõe que a solução adotada, para além de implicar uma afetação “intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acen- tuada” daqueles “mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático” (cfr., por todos, Acórdão n.º 330/93), não encontre justificação na “necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes” de acordo a matriz ponderativa para que aponta o princípio da pro- porcionalidade, explicitamente consagrado, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 187/13). À luz do que acaba de expor-se, a primeira questão que cumpre solucionar consiste, assim, em saber se, ao suprimir do âmbito do regime transitório estabelecido para os contratos de arrendamento sem duração limitada celebrados antes ou na vigência do RAU, a norma que atribuía à permanência do arrendatário no locado por um período igual ou superior a 30 anos o efeito de fazer subsistir o vínculo locatício nos casos em que o senhorio necessitasse do local arrendado para habitação, própria ou de um seu descendente, sem excecionar as situações em que tal período se houvesse completado sob a vigência do regime que o fazia relevar, a Lei n.º 31/2012 introduziu no ordenamento jurídico uma alteração de significado incompatível com a expectativa na continuidade daquela permanência que o regime anteriormente aplicável permitiu legitimamente criar. Ora, conforme se fez notar em ambos os arestos que dela se ocuparam, tal questão — relativa a saber se constitui uma violação do princípio da proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica a eliminação de uma causa impeditiva do exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio integralmente formada ao abrigo da lei anterior e nos termos desta plenamente válida e eficaz —, fora já resolvida em sentido afirmativo por este Tribunal quando chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da modificação que, através da versão originária da alínea b) do n.º 1 do seu artigo 107.º, fora introduzida pelo RAU no âmbito dos limites ao direito de denúncia do contrato pelo senhorio até então previstos no artigo 2.º da Lei n.º 55/79, de 15 de setembro − modificação que, conforme se viu, consistiu na
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