TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

361 acórdão n.º 293/17 5. Conforme decorre do já exposto, a questão de constitucionalidade que cumpre solucionar emerge das alterações sucessivamente introduzidas no regime jurídico dos contratos de arrendamento urbano para habi- tação, estabelecido originariamente no Código Civil e, depois da publicação do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, no RAU, entretanto revogado e substituído pelo NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro. À data da celebração do contrato de arrendamento em discussão nos autos, a cessação do vínculo contra- tual por denúncia do senhorio regia-se pelo disposto no artigo 1095.º do Código Civil, na versão resultante do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro. Em linha com o pendor acentuadamente vinculístico do regime então vigorante – caracterizado, como se sabe, pela imposição de um significativo conjunto de restrições à liberdade contratual das partes, tendo em vista a estabilidade do vínculo contratual e a consequente proteção da posição do locatário −, estabelecia- -se ali um princípio de prorrogação obrigatória ou automática dos contratos de arrendamento, impondo-se a respetiva renovação ao locador findo o prazo de duração convencionado pelas partes ou supletivamente estabelecido na lei. Encontrando-se a faculdade de denúncia livre e discricionária do contrato reservada em exclusivo ao arrendatário, ao senhorio apenas assistia o direito de se opor à renovação do vínculo locatício nas hipóteses então excecionalmente contempladas no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil. A possibilidade de denúncia pelo senhorio com fundamento na necessidade do locado para habitação própria – contemplada na alínea a) do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil − veio a ser subsequentemente limitada pela Lei n.º 55/79, de 15 de setembro, que excluiu tal faculdade nos casos em que o “inquilino” se mantivesse “na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa qualidade” [cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea b) ]. Com a entrada em vigor do RAU, em 1990, o regime de denúncia do contrato de arrendamento urbano para habitação manteve-se, no essencial, inalterado. Com exceção dos chamados contratos de duração limitada, caracterizados pela possibilidade de esta- belecimento de um prazo de duração efetiva do contrato (cfr. artigos 98.º a 101.º do RAU), reafirmou-se o princípio da renovação automática ou obrigatória do vínculo locatício, permanecendo a possibilidade de denúncia pelo senhorio limitada à ocorrência das circunstâncias excecionais até então previstas no artigo 1096.º do Código Civil, que transitaram para o n.º 1 do artigo 69.º do RAU acompanhadas apenas do alargamento da faculdade de oposição à renovação do contrato à necessidade do locado para habitação dos descendentes em primeiro grau. Do mesmo modo, também os limites à denúncia do contrato pelo senhorio com fundamento na neces- sidade do locado para habitação estabelecidos no artigo 2.º da Lei n.º 55/79, de 15 de setembro, foram reproduzidos, em termos igualmente ampliados, no n.º 1 do artigo 107.º do RAU, embora com a elevação de 20 para 30 anos do período temporal mínimo de permanência do arrendatário no locado suscetível de obstar ao exercício daquele direito [cfr. alínea b) ]. Em termos que se verão muito próximos daqueles que caracterizam a questão nos presentes autos sus- citada, a elevação para 30 anos do período mínimo de permanência do arrendatário no locado suscetível de obstar ao exercício do direito de denúncia pelo senhorio colocou problemas de aplicação da lei no tempo, em particular o de saber se deveria considerar-se impeditivo do exercício daquele direito o facto de se haver completado já, sob a vigência da Lei n.º 55/79, o período mínimo de 20 anos de permanência exigido pelo respetivo artigo 2.º, sem que, no momento em que a denúncia devesse produzir efeitos, se encontrassem, todavia, transcorridos os 30 anos que passaram a ser àquele título exigidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU. Tendo sido chamado a apreciar a conformidade constitucional da norma contida no referido preceito legal, o Tribunal Constitucional concluiu pela respetiva inconstitucionalidade, não apenas no plano orgânico – por ausência de norma habilitante (Acórdãos n. os  70/99, 269/99, 273/99, 476/99 e 682/99) −, mas tam- bém no plano material, “quando interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integral- mente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei,

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