TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
360 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Arrendamento Urbano)”, interpretada no “sentido de não impedir a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio para sua habitação quando o arrendatário, à data de entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 se mantivesse no local arrendado há trinta ou mais anos”. A decisão de que se recorre é a sentença proferida pela Secção Cível da Instância Local de Amarante, Comarca do Porto Este, de 15 de julho de 2016, que recusou a aplicação, com fundamento na violação do princípio da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, quando interpretado no preciso sentido enunciado pelo Ministério Público no requerimento de interposição. Verifica-se, assim, uma integral coincidência entre a dimensão normativa que integra o objeto do pre- sente recurso e aquela que, por referência ao artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei n.º 6/2006, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, foi concretamente desaplicada pelo tribunal a quo, sendo ainda certo que, conforme se extrai do iter argumentativo seguido na sentença recorrida, tal desaplicação constituiu, no âmbito do juízo decisório formulado por aquele tribunal, um elemento indispensável à conclusão de que o pedido de declaração da validade da denúncia do contrato de arrendamento celebrado com os aqui recorri- dos deveria improceder. Vejamos mais de perto. Partindo do facto de o contrato de arrendamento em discussão nos autos ter sido celebrado em 1 de novembro de 1971 – antes, portanto, do início da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (doravante “RAU”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro − e se ter prorrogado, sucessiva e impe- rativamente, desde a data da respetiva celebração até ao momento da sua pretendida denúncia, o tribunal a quo considerou-se confrontado com a questão de saber se, com a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano (doravante “NRAU”), aprovado pela Lei n.º 6/2006, passara a assistir ao senhorio o direito de denunciar livremente o contrato, deixando de ser possível ao arrendatário, agora por força das alterações naquele diploma introduzidas pela Lei n.º 31/2012, invocar, como facto impeditivo daquele direito, a permanência no local arrendado, nessa qualidade, há 30 ou mais anos, nos termos anteriormente consentidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 329- B/2000, de 22 de dezembro. Nos casos em que – conforme verificou suceder na situação sub judice −, o período de 30 anos de perma- nência do arrendatário no locado se havia completado já aquando da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o tribunal a quo considerou que o afastamento do limite ao direito de denúncia do senhorio anteriormente estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, decorrente da nova redação con- ferida pela Lei n.º 31/2012 à alínea a) do n.º 4 do artigo 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, era contrário ao princípio da proteção da confiança ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e, com tal fundamento, desaplicou aquele último preceito na exata aceção enunciada pelo Ministério Público no requerimento de interposição do recurso. Na sequência de tal recusa, o tribunal a quo, ainda que implicitamente, recuperou a norma constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006, na sua versão originária − de acordo com a qual aos contratos habitacionais sem duração limitada celebrados na vigência do RAU, bem como aos contratos celebrados em momento anterior (cfr. artigo 28.º), continuaria a aplicar-se, sem qualquer restrição, a disci- plina contida no respetivo artigo 107.º − e, por efeito da limitação ao direito de denúncia do contrato pelo senhorio estabelecida na alínea b) do seu n.º 1 – que impedia a denúncia do contrato pelo senhorio com fundamento na necessidade do locado para habitação, própria ou de descendente em primeiro grau, nos casos em o arrendatário habitasse o local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência da mesma −, julgou a ação especial de despejo improcedente, absolvendo os réus, ora recorridos, do pedido. A desaplicação da dimensão normativa sob fiscalização integra, assim, a ratio decidendi da decisão recor- rida, nada obstando, portanto, ao conhecimento de mérito.
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