TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

358 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Continua a aplicar-se o artigo 107.º do RAU; (...)”. No entanto, em 2012, em razão da crise existente no país e a pretexto do documento elaborado pela Troika, que mencionava alguns pontos da matéria locatícia (constava do mesmo que o Governo apresentará medidas para alterar a nova Lei do Arrendamento Urbano, a Lei n.º 6/2006, a fim de garantir obrigações e direitos equilibrados de senhorios e inquilinos, tendo em conta os grupos mais vulneráveis. Este plano conduzirá a uma proposta de legislação a ser apresentada à Assembleia da República), o Governo encetou nova reformulação das regras do arren- damento urbano, projetando-se uma clivagem ainda maior com a disciplina do passado. Assim, depois de alguma discussão acerca do anteprojeto, surge a Lei 31/2012, de 14/8. Esse diploma deu nova redação ao art.º 262 n.º 4 do N.R.A.U., passando a constar da sua redação: “4 – Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeter- minada, com as seguintes especificidades: Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU (...). Ou seja, deixou de se aplicar aos casos de denúncia para habitação do senhorio a regra da alínea b) do art.º 107 n.º 1 do RAU. Assim, no tocante à denúncia motivada do senhorio para sua habitação ou dos seus descendentes em 1 grau [art.º 11012 al. a) do Código Civil], optou-se por alterar a referida alínea a) do n.º 4 do art.º 262 do NRAU. E, de acordo com a sua nova redação, a denúncia (motivada) pelo senhorio não produz efeitos se se verificar uma das quatro circunstâncias previstas na disposição, a saber: – Ter o arrendatário mais de 65 anos; – Encontrar-se o arrendatário na situação de reforma por invalidez absoluta; – Não beneficiando de pensão de invalidez, sofra o arrendatário de incapacidade total para o trabalho; – Sofra o arrendatário de deficiência a que corresponda incapacidade superior a dois terços. Há, porém, que analisar a conformidade constitucional desta alteração, à luz do princípio da confiança, ínsito no art.º 2 da Constituição da República Portuguesa, quando aplicável a situações já consolidadas à data de entrada em vigor da Lei 31/2012, de 14/8, isto é, a casos em que já haviam decorrido mais de trinta anos de permanência do arrendatário no locado. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 297/15 (consultado na internet em www.tribunalconstitucional.pt ) veio julgar inconstitucional a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26, n.º 4, alínea a) , da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, ao ofender o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2.º da CRP”. Entendemos dever aderir a esta orientação, que, aliás, vem sendo seguida com unanimidade por aquele Tribu- nal em inúmeros arestos (cfr. art.º 82 n.º 3 do Código Civil). O contrato de arrendamento em causa foi celebrado, como já referimos, em 1979, ainda antes da vigência do RAU (que apenas entrou em vigor em 15/11/1990), sendo-lhe aplicáveis, como já se viu, as regras do NRAU) E vigora, desde 2012 a já citada versão do art.º 26.º do NRAU, segundo o qual aos contratos como o dos autos “continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do R.A.U.”. De acordo com esta redação, passou a ser desconsiderada a circunstância de o arrendatário permanecer no local arrendado continuamente por período superior a trinta anos. No entanto, há que entender, na esteira do citado Acórdão do Tribunal Constitucional, que à data da publicação daquelas alterações ao NRAU (2012), já se havia consolidado na esfera jurídica dos réus o direito de oposição à denúncia do arrendamento por parte do senhorio

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