TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

356 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para habitação, própria ou de um seu descendente, sem excecionar as situações em que tal período se houvesse completado sob a vigência do regime que o fazia relevar, a Lei n.º 31/2012 introduziu no ordenamento jurídico uma alteração de significado incompatível com a expectativa na continuidade daquela permanência que o regime anteriormente aplicável permitiu legitimamente criar. III – Tal questão – relativa a saber se constitui uma violação do princípio da proteção da confiança dos cidadãos na ordem jurídica a eliminação de uma causa impeditiva do exercício do direito de denún- cia do contrato de arrendamento pelo senhorio integralmente formada ao abrigo da lei anterior e nos termos desta plenamente válida e eficaz –, fora já resolvida em sentido afirmativo nos Acórdãos n. os 259/98, 270/99 e 682/99, em que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma constante da alínea b) do artigo 107.º do RAU, na sua versão originária, quando interpretada no sentido de abranger os casos em que já decorrera integralmente, no domínio da lei antiga [a Lei n.º 55/79], o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio, tendo sido com base no reconhecimento da simili- tude existente entre a solução censurada por aqueles arestos e aquela que emerge da alteração intro- duzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 31/2012 na alínea a) do n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 que, nos Acórdãos n. os 297/15 e 360/15, se concluiu pela inconstitucionalidade da norma extraível deste último preceito legal, quando interpretado no “sentido de não impedir a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, para sua habitação ou dos seus descendentes em 1.º grau, quando o arrendatário, à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, se mantivesse no local arrendado há 30 ou mais anos”. IV – Não há qualquer razão para nos afastarmos de tal entendimento; o facto de se haver completado, sob a vigência do regime jurídico revogado (RAU), o período de permanência do arrendatário no locado suscetível de obstar, de acordo com tal regime, à denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na necessidade do prédio para sua habitação ou dos seus descendentes em primeiro grau, não só criou nos locatários a legítima expectativa de não mais poderem ser despejados sob invocação de tal circunstância, como razoavelmente os terá conduzido a orientar as suas vidas nesse pressuposto, em particular a prescindir da ponderação de soluções habitacionais alternativas em termos que, de outra forma, não teriam tido com toda a probabilidade lugar. V – Para além de suprimir o direito do arrendatário, adquirido no âmbito da vigência do RAU, a perma- necer no locado por si nessa qualidade habitado há 30 anos ou mais – desconsiderando, desse modo, uma situação jurídica integralmente estabilizada à luz do regime jurídico revogado –, a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012 no âmbito do regime transitório originariamente estabelecido no artigo 26.º da Lei n.º 6/2006 não encontra amparo em quaisquer “razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a[quela] situação de expectativa”; do que resulta da explicitação constante da alínea b) do artigo 1.º da Lei n.º 31/2012 — onde se define o respetivo objeto —, a alteração do “regime transitório dos contratos de arrenda- mento celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro”, tem por finalidade “reforça[r] a negociação entre as partes e facilit[r] a transição dos referidos contratos para o novo regi- me, num curto espaço de tempo”, motivo que está longe de revelar uma qualquer razão de interesse público suscetível de contrariar ou infirmar o caráter, senão arbitrário, pelo menos excessivamente oneroso daquela alteração legislativa, indiciado pelas expectativas na estabilidade e na constância da solução jurídica agora eliminada a que o sentido das precedentes intervenções legislativas foi dando sucessiva e legitimamente lugar.

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