TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

348 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL para familiares, parentes ou terceiros e (iii) a impossibilidade de subrogação no cumprimento das penas (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 504). Por força da natureza pessoalíssima de toda a pena criminal (cfr. Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Editorial Notícias, 1993, p. 118), encontra-se, assim, constitucionalmente vedada ao legis- lador ordinário a edição de normas que autorizem ou imponham a transferência da responsabilidade penal atribuída a um sujeito para um outro, distinto daquele, independentemente de qual possa ser o título dessa atribuição ou o tipo de relação entre ambos para tal efeito requerida. Tendo subjacente a ideia de que o efeito direto e imediato da pena aplicada deverá limitar-se à pessoa do condenado – ainda que com possível afetação, em termos desfavoráveis mas sempre reflexos, da situação de eventuais terceiros (cfr. João Castro e Sousa, As Pessoas Coletivas em face do Direito Criminal e do chamado Direito de Mera Ordenação, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 119) −, o princípio da pessoalidade das penas prescreve, assim, uma imperativa incomunicabilidade das consequências jurídicas com que foi definida a medida da responsabilidade de qualquer um dos sujeitos a quem o crime deva ser atribuído de acordo com o modelo de imputação adotado – e, portanto, também da responsabilidade dos entes coletivos, com ou sem personalidade jurídica, que é, conforme se viu, imposta a título autónomo e próprio. Por isso, sempre que em causa esteja a apreciação da validade constitucional de um qualquer regime de responsabilidade pelo pagamento do valor correspondente à pena de multa aplicada a um ente coletivo, o que importará verdadeiramente determinar no confronto com n.º 3 do artigo 30.º da Constituição é se se trata da consagração de um mecanismo de efetiva transferência ou transmissão da responsabilidade criminal àquele ente imputada para o sujeito onerado com tal pagamento ou, pelo contrário, é possível fundar num outro título, autónomo e independente daquela, a responsabilidade pelo pagamento que para este advirá, designadamente em caso de insuficiência patrimonial inviabilizadora do cumprimento motu proprio da san- ção pecuniária imposta. Foi justamente sob incidência de um tal critério – que aponta para a necessidade de discernir, em face da modelação do mecanismo adotado, a presença de um qualquer elemento suscetível de suportar (ou em que possa ancorar-se) uma distinção entre a responsabilidade pelo cometimento da infração e a responsabilidade pelo cumprimento da sanção – que, conforme se verá de seguida, foram analisadas as soluções constantes, primeiro do artigo 7.º-A do RJIFNA e, depois dele, no n.º 1, alíneas a) e b) , e no n.º 7 do artigo 8.º do RGIT. 13. De acordo com a regra que começou por constar no artigo 7.º-A do RJIFNA – cuja epígrafe era “Responsabilidade civil subsidiária” –, os “administradores, gerentes e outras pessoas” que exercessem “fun- ções de administração em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados” eram “subsidiariamente respon- sáveis”, solidariamente entre si, “em caso de insuficiência do património destas, por si culposamente causada, nas relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas àquelas entidades referentes às infrações praticadas no decurso do seu mandato”. Chamado por diversas vezes a pronunciar-se sobre a legitimidade constitucional do referido regime, este Tribunal, através do Acórdão n.º 561/11, proferido pelo Plenário, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do RJIFNA, “na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos admi- nistradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas coletivas em processo de contraordenação fiscal”. De acordo com o juízo subjacente a tal pronunciamento, no regime constante do artigo 7.º-A do RJIFNA previa-se apenas uma forma de responsabilidade civil, que recaia sobre administradores e gerentes relativamente a multas ou coimas em que tivesse sido condenada a sociedade ou pessoa coletiva, cujo não pagamento lhes fosse imputável ou resultasse de uma insuficiência do património da devedora que lhes fosse atribuível a título de culpa.

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