TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

347 acórdão n.º 292/17 No âmbito dos ilícitos fiscais, o modelo de imputação é aquele que se encontra definido no n.º 1 do artigo 7.º do RGIT – modelo que, por constar de lei especial, prevalece sobre as regras, não inteiramente coincidentes, para o mesmo efeito estabelecidas no n.º 2 do artigo 11.º do Código Penal. Valendo tanto para os crimes como para as contraordenações, aquele modelo responsabiliza as pessoas coletivas, as sociedades, mesmo que irregularmente constituídas, e as outras entidades fiscalmente equipa- radas pelos ilícitos fiscais quando (i) a infração seja praticada por um seu órgão ou representante, (ii) em seu nome e no seis interesse coletivo (iii) e sem desobediência a quaisquer ordens ou instruções de quem de direito (cfr. artigo 7.º, n.º 1, do RGIT). Ao contrário do que sucede no domínio contraordenacional (cfr. n.º 4 do artigo 7.º do RGIT), a res- ponsabilidade penal do ente coletivo pelas infrações tributárias cometidas pelos seus órgãos ou representantes não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes. No âmbito dos crimes tributários, resulta da conjugação dos artigos 6.º e 7.º do RGIT um princípio de responsabilidade cumulativa do ente coletivo e da pessoa que, podendo fazê-lo − porque titular de um seu órgão, seu membro ou representante —, empreendeu, em nome e no interesse daquele, o comportamento, ativo ou omissivo, criminalmente relevante. Em termos idênticos àqueles que viriam a ser subsequentemente consagrados no âmbito do regime geral da responsabilidade das pessoas coletivas previsto no Código Penal (cfr. artigo 11.º, n.º 7), acolhe-se ali um princípio de responsabilidade cumulativa, concorrente ou paralela dos agentes do crime e da pessoa coletiva em nome e no interesse da qual aqueles atuaram (cfr. Germano Marques da Silva, Responsabilidade das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Lisboa, Verbo, 2009, p. 196), que se traduz na atribuição de responsabilidade “a dois sujeitos distintos, embora tendo por pressuposto o mesmo facto e a mesma culpa, e que envolve a punição diferenciada de cada um deles, como decorre do caráter individual da responsabilidade” (cfr. Isabel Marques da Silva, ob. cit. , p. 80). Não se trata, todavia, de uma responsabilidade por facto de outrem, mas antes de uma verdadeira res- ponsabilidade autónoma da pessoa coletiva, distinta da responsabilidade que possa ser imputada às pessoas físicas que a integram (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2010, p. 93). É, portanto, a responsabilidade em tais termos atribuível ao ente coletivo pelos crimes tributários come- tidos pelos seus órgãos, membros ou representantes que, de acordo com o mecanismo constante n.º 5 do artigo 7.º do RGIT – análogo, de resto, àquele que veio a ser consagrado no n.º 11 do artigo 11.º do Código Penal na sequência da revisão levada a cabo pela Lei n.º 59/2007 – pode ser efetivada, na ausência ou insu- ficiência do património comum, sobre o património dos respetivos associados. 12. Embora nunca tenha chegado a apreciar a conformidade constitucional do mecanismo de garantia do pagamento da pena de multa aplicada às entidades sem personalidade jurídica estabelecido no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, foram várias as ocasiões em que este Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre a com- patibilidade com o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal, acolhido no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição, das soluções que, com o mesmo intuito de reforçar a garantia de cobrança da sanção pecuniária aplicada à pessoa coletiva criminalmente e/ou contraordenacionalmente responsabilizada, foram consagradas, primeiro no artigo 7.º-A do RJIFNA, e, depois dele, no artigo 8.º do RGIT. Em todos os referidos julgamentos, o entendimento de que se partiu foi sempre o de que, conforme fora já afirmado na jurisprudência deste Tribunal, o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade penal não tem, no âmbito da responsabilidade criminal e contraordenacional, o mesmo valor ou significado (nesse sentido, cfr. Acórdãos n. os  160/04, 129/09 e 561/11). Valendo plenamente no âmbito da responsabilidade criminal − o único para o qual, de acordo com a delimitação do objeto do presente recurso, remete a norma recusada aplicar —, a insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade a que se refere o n.º 3 do artigo 30.º da Constituição encontra-se associada ao princípio da pessoalidade das penas, tendo como principais refrações (i) a extinção da pena (qualquer que ela seja) e do procedimento criminal com a morte do agente, (ii) a proibição da transmissão da pena

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