TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
342 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 6. O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objeto a norma constante do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 5/2001, cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo com fundamento na violação do “princípio (…) intransmissibilidade da responsabilidade criminal”, consagrado no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição. Sob a epígrafe “Responsabilidade das pessoas coletivas e equiparadas”, dispõe-se no n.º 5 do artigo 7.º do RGIT o seguinte: “5 – Se a multa ou coima for aplicada a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por ela o patrimó- nio comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados”. Resulta dos presentes autos que, no âmbito do procedimento criminal que correu termos junto da 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca do Porto, a sociedade B., Lda. e A., seu único sócio, foram condenados, por acórdão proferido em 25 de janeiro de 2008, pela prática de dois crimes de abuso de con- fiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do RGIT, na pena única, o segundo, de 120 dias de multa, à taxa diária de € 4, e a primeira, de 240 dias de multa, à taxa diária de € 8. Tendo a audiência de julgamento sido realizada na ausência dos arguidos nos termos consentidos pelo artigo 333.º do Código de Processo Penal, foi expedida carta rogatória para a notificação pessoal do acórdão condenatório ao arguido A., por si e na qualidade de legal representante da sociedade B., Lda., o que apenas veio a suceder em 16 de novembro de 2015 (cfr. fls. 612). Na sequência da constatação de que a sociedade arguida havia sido entretanto dissolvida por deci- são administrativa, encontrando-se encerrada a sua liquidação e cancelada a respetiva matrícula no registo comercial desde 24 de março de 2014, o tribunal a quo considerou-se confrontado, na decisão recorrida, com a questão de saber qual o efeito que a tal circunstancialismo deveria associar-se do ponto de vista da subsistência do procedimento criminal e/ou da responsabilidade penal que àquela sociedade fora atribuída no acórdão condenatório já proferido nos autos. Atentando no regime previsto no n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais – de acordo com o qual a sociedade se considera extinta pelo registo do encerramento da liquidação – e tomando por decisivo o facto de o cancelamento da matrícula da empresa arguida ter ocorrido em momento anterior ao da notificação do acórdão condenatório na pessoa do seu legal representante – ato que, nos termos do artigo 333.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, fixa o termo inicial do prazo para a interposição de recurso −, o tribunal recorrido começou por convocar a norma constante do n.º 2 do artigo 127.º do Código Penal, da qual considerou resultar, a contrario , a regra segundo a qual, ocorrendo a extinção da pessoa coletiva antes do trânsito em julgado da respetiva condenação, o procedimento criminal contra a mesma instaurado extinguir-se-á de igual forma. À produção de tal consequência, o mesmo tribunal entendeu, todavia, obstar a norma constante do n.º 5 do artigo 7.º do RGIT, no segmento em que determina que, “se a multa for aplicada a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por ela o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidaria- mente, o património de cada um dos associados”. De acordo com a construção seguida pelo tribunal recorrido, tal norma, por não distinguir entre a falta originária de personalidade jurídica e o decaimento superveniente da personalidade jurídica originária do ente coletivo visado pelo procedimento, impediria, no caso sub judice , a extinção deste, impondo, ao invés, o “prosseguimento do processo destinado a apurar a responsabilidade criminal de pessoa coletiva já extinta”, de modo a fazer repercutir “sobre o património comum ou sobre o património de cada associado” da entidade sem personalidade jurídica em que aquela se convertera “a responsabilidade pelo cumprimento da pena que vie[sse] a ser” – depreende-se – definitivamente “aplicada”. Considerando, todavia, que, pelas razões apontadas no Acórdão n.º 171/14, “a responsabilidade subsi- diária dos gerentes ou administradores de uma pessoa coletiva pelo pagamento de pena de multa aplicada por facto imputável à pessoa coletiva” é incompatível com o princípio da intransmissibilidade da responsabilidade
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