TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
334 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que a ordem constitucional impõe é que se alcance um equilíbrio entre os interesses individuais dos sujeitos processuais, designadamente os direitos de defesa do arguido, e o interesse geral numa justiça penal eficaz e célere. Em suma, o que se exige é proporcionalidade entre o ónus imposto ao arguido e a finalidade de interesse geral prosseguida através dessa imposição. 15. Todo o regime de nulidades dependentes de arguição – como é aqui o caso – assenta no pressu- posto da corresponsabilização dos sujeitos processuais, e encontra uma justificação perfeitamente razoável, recondutível à opção constitucional por um processo penal com uma estrutura acusatória. Se tal estrutura reclama, por um lado, uma igualdade substancial das partes do processo, encarando-se o arguido como um sujeito processual a quem é garantida efetiva liberdade de atuação para exercer a sua defesa, ao menos nas fases jurisdicionais, ela também introduz um princípio de corresponsabilização na regularidade e expurgação de vícios ao longo da sua tramitação. É nesse quadro de corresponsabilização de todos os sujeitos integrantes do processo criminal que se deve situar o ónus imposto pela norma objeto do presente recurso. Sem dúvida que o vício em causa – a falta ou deficiente gravação das declarações prestadas em audiência de julgamento – é sanável. Tal sanação efetua-se através da repetição das declarações não adequadamente registadas. Porém, não pode deixar de se reconhecer que essa forma de sanação é naturalmente imperfeita, e que o grau de imperfeição é proporcionalmente maior quanto mais diferido for o momento da repetição da prova. De facto, é evidente que a genuinidade, completude e fidelidade de declarações orais tende a dimi- nuir em casos de repetição de meios de prova já anteriormente produzidos, designadamente de declarações de testemunhas ou outros intervenientes, quer pela deterioração da memória, quer pela inevitável perda de espontaneidade de alguém que responde pela segunda vez às mesmas questões ou é confrontado novamente com factos ou documentos que conhece de anterior sessão de julgamento. Daqui decorre que o excessivo diferimento da possibilidade de arguir a nulidade em causa contende, desde logo, com o próprio princípio do direito à prova, entendido numa dimensão objetiva, com o sentido de que o processo criminal e o interesse geral que o mesmo prossegue exigem mecanismos que propiciem a obtenção de uma prova tendencialmente genuína, apta a permitir a representação tão fidedigna quanto possível da verdade material. Com efeito, embora nesta matéria a pedra angular do sistema seja o princípio da livre apreciação do juiz, devidamente fundamentada e sindicável em recurso, tal não significa que o legis- lador não disponha de alguma margem de liberdade no sentido de limitar ou, pelo menos, de desfavorecer a possibilidade de produção de provas em condições tais que degradem o seu valor de mediadores do acesso à realidade dos factos. Por outro lado, tal diferimento da arguição de nulidade também contende com a própria exigência, estabelecida no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, de que o arguido seja julgado no mais curto espaço de tempo possível. Se a esta imposição corresponde essencialmente um direito do pró- prio arguido – e, nessa vertente subjetiva, seria perverso invocá-lo contra o próprio titular – ela não deixa de compreender também uma dimensão objetiva, na medida em que a justiça penal preenche finalidades cons- titucionalmente valiosas de salvaguarda dos direitos dos cidadãos, de garantia da paz social e de legitimação do Estado de direito democrático. É quanto basta para concluir, em termos largamente coincidentes com os do Acórdão n.º 118/17, que a imposição do ónus em causa não constitui uma medida legislativa excessiva, correspondendo antes a uma ponderação razoável dos interesses relevantes. 16. Por decair no presente recurso, é o recorrente responsável pelo pagamento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da LTC. Ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, afigura-se adequado e proporcional fixar a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
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