TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
333 acórdão n.º 291/17 detenha o tribunal ad quem . Na verdade, a questão de constitucionalidade releva justamente do facto de o reexame da decisão sobre a matéria de facto ser admissível. A norma regula o tempo e forma de arguição e sanação do vício processual decorrente da falta ou imperfeição da documentação das declarações prestadas em audiência de julgamento, repercutindo-se de modo exclusivamente oblíquo sobre a extensão objetiva do direito ao recurso. De acordo com a sua estrutura, não estamos aqui perante um dever processual, mas antes perante um verdadeiro ónus, isto é, um poder que, não sendo exercido na forma e tempo legalmente regulados, importa uma consequência desvantajosa para o onerado. A imposição constitucional de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa não se mos- tra incompatível, prima facie , com a imposição de ónus processuais, designadamente ao arguido (vide, entre vários, o Acórdão n.º 53/11). 13. Embora se deva reconhecer que, no momento temporal em que o ónus impende sobre o arguido – ou sobre qualquer outro sujeito processual – este não tem um interesse atual no exercício do direito ao recurso sobre a matéria de facto, tal não se afigura fundamento suficiente para considerar que o mesmo onera de forma excessiva e intolerável o exercício do direito ao recurso.. Aliás, como bem salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações, o momento em que seja esta- belecido o dies ad quem do prazo para arguição da nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal não afeta – no sentido de que não diminui nem amplia – o quantum de esforço exigido para a satisfação do ónus. Pelo contrário, a partir desse ponto de vista estritamente objetivo, é tendencialmente mais onerosa a concentração temporal no momento da preparação do recurso do controlo da regularidade da documentação de todas as declarações orais prestadas no decurso do julgamento, dado que então estaria a correr o prazo de interposição e/ou motivação daquele. É verdade que, somente após o conhecimento da sentença, estará o arguido em perfeitas condições de apurar o seu interesse em exercer o direito ao recurso, designadamente quanto ao julgamento da matéria de facto; só então passará a ter um interesse atual na expurgação de vícios do registo da prova que obstem ao reexame da mesma pelo tribunal ad quem . Mas a existência desse interesse atual não tem por efeito diminuir a exigência pressuposta na observância do ónus processual assinalado, o mesmo é dizer, não implica qualquer redução objetiva dos meios humanos e materiais implicados no controlo da regularidade da gravação. 14. É possível contrapor que só o conhecimento da sentença permite aferir se, afinal, esse interesse em controlar a regularidade da prova se materializa ou não, já que está diretamente dependente da vontade de interpor recurso para reexame da matéria de facto. Dessa forma, a imposição de um exigente ónus em momento anterior à materialização desse interesse poderia implicar o desenvolvimento desnecessário, por inútil, de um esforço relevante, em todos aqueles casos em que o arguido não pretenda afinal recorrer da decisão sobre a matéria de facto. É certo que a norma em causa impõe ao arguido um ónus cuja observância pode vir a revelar-se inútil. Mas não é menos verdade que, antes do conhecimento da decisão final, já existe um interesse potencial em incorrer nesse ónus. De resto, todo o processo judicial – e o processo penal não é exceção – constitui uma sequência de atos jurídicos, lógica e cronologicamente ordenados à prossecução de um fim, designadamente a expressão das posições dos sujeitos nele intervenientes e a tutela judicial da situação controvertida. Ao mesmo não é estranho – antes pelo contrário – a ideia de estabilizações intercalares do adquirido, assentes em mecanismos preclusivos da invocação de vícios que se possam detetar no seu desenvolvimento. Ora, a exigên- cia constitucional de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não é incompatível com um regime de preclusão associado ao estabelecimento de ónus de arguição temporalmente delimitada de determinados vícios in procedendo , ainda que inimputáveis aos sujeitos processuais que pelos mesmos podem vir a ser negativamente afetados (vide o Acórdão n.º 46/05).
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