TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Crê-se que esta argumentação é cogente e, com as necessárias adaptações, aplicável à questão de consti- tucionalidade em discussão nos presentes autos. O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso». O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, por várias vezes, sobre o âmbito deste preceito. No Acórdão n.º 61/88, por exemplo, pode encontrar-se a seguinte síntese do conteúdo genérico do direito de defesa do arguido: «No artigo 32.º, n.º 1, da Constituição dispõe-se que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa». Esta cláusula constitucional apresenta-se com um cunho «reassuntivo» e «residual» – relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes desse mesmo artigo – e, na sua «abertura», acaba por revestir- -se, também ela, de um caráter acentuadamente «programático». Mas, na medida em que se apela para um núcleo essencial deste, não deixa a mesma cláusula constitucional de conter «um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer diretamente, em caso limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária» (cfr. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51, e o Acórdão n.º 164 da Comissão Constitucional, Apêndice ao Diário da República , de 31 de dezembro de 1979). A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos n. os 2 e seguintes do artigo 32.º – será a de que o processo criminal há de configurar-se como um due process of law , devendo considerar- -se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível, um prejuízo insuportável e injustificável das possibilidades de defesa do arguido (assim, basicamente, cfr. Acórdão n.º 337/86, deste Tribunal, no Diário da República , 1.ª série, de 30 de Dezembro de 1986)» Pode dizer-se, de forma sucinta, que a imposição de que o processo penal assegure todas as garantias de defesa implica, prima facie , que ao arguido sejam facultados os meios necessários para que se possa pronun- ciar adequadamente perante o Tribunal sobre todas as razões que possam ser relevantes na tomada de quais- quer decisões relativas à sua responsabilidade penal, nomeadamente nos domínios da produção e apreciação da prova e da determinação do direito aplicável. No caso vertente, a questão centra-se sobre o direito ao recurso, enquanto vertente expressa dessas garantias de defesa. Mais concretamente, e dentro desta categoria, sobre o direito ao recurso incidente sobre o julgamento da matéria de facto. A norma aqui em apreciação impõe, como se disse, um significativo ónus processual ao sujeito proces- sual que pretenda invocar a nulidade decorrente da deficiência ou falta, total ou parcial, da documentação das declarações orais prestada em audiência de julgamento. O caráter excessivo e constitucionalmente inadmissível desse ónus traduz-se, segundo o recorrente, na eleição do momento que constitui o dies a quo do prazo para tal invocação, que é reportado à data de cada sessão da audiência em que tiver ocorrido tal vício. O recorrente não contesta que a extensão do prazo em si mesmo considerado – um prazo de dez dias úteis, isto é, com desconto do tempo que seja necessário para o acesso efetivo aos suportes áudio das gravações – seja suficiente para a deteção e arguição do vício. O que questiona é que o seu dies ad quem seja reportado a um momento temporal em que não existe ainda qualquer interesse atual do arguido em controlar a regularidade da gravação. 12. Tal argumentação não é suficiente para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a norma em causa não constitui uma restrição direta ao direito ao recurso sobre a matéria de facto, na medida em que não estabelece qualquer limitação ao pleno e atem- pado acesso à documentação da audiência, nem introduz quaisquer limites legais aos poderes cognitivos que
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