TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada” (ponto IV, p. 5049).» 9. Caracterizado o quadro legal em que se insere a norma objeto do presente recurso, bem como o seu lastro histórico, cumpre agora delimitar a questão de constitucionalidade que nele se coloca. O recorrente entende que a norma sub judice é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Para sustentar tal afirmação, argumenta que a norma, ao exigir ao arguido o escrutínio e conferência exaustivos da regularidade da documentação das declarações, num momento em que não tem qualquer interesse nessa atividade, por não se colocar ainda a hipótese de vir a pretender interpor recurso da decisão final, e sem outra justificação que não seja a do controlo da observân- cia, pelo Tribunal, de uma obrigação que vincula apenas este, estabelece um ónus excessivo e injustificado. Tanto é assim que a observância de tal ónus pode bem implicar, nomeadamente em casos de julgamentos prolongados, um oneroso dispêndio de meios materiais e humanos, que não encontra justificação razoável de espécie alguma, designadamente em considerações atinentes à economia de meios ou a tornar o processo mais expedito. Tal ónus é tanto mais excessivo e penalizador, por fim, quanto a sua inobservância implica a preclusão da possibilidade de invocar posteriormente a nulidade decorrente da falta ou imperfeição da documentação da audiência de julgamento e, consequentemente, limitações significativas à possibilidade de recorrer do julgamento da matéria de facto. À luz desta argumentação, o cerne da questão de constitucionalidade posta a este Tribunal incide, pois, sobre a proporcionalidade da compressão dos direitos de defesa do arguido em processo penal, em especial na vertente do direito ao recurso sobre a matéria de facto, consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Tal compressão traduz-se na imposição de um pesado ónus processual que recai sobre o exercício do direito ao recurso sobre o julgamento da matéria de facto, ónus esse cuja inobservância implica a sanação da eventual nulidade e, consequentemente, a impossibilidade de tais declarações poderem ser, na parte em que se mostrem deficientes, consideradas pelo Tribunal de recurso. 10. A norma objeto do presente recurso corresponde, grosso modo, à interpretação fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça para o artigo 363.º do Código de Processo Penal, no acórdão para uniformização de jurisprudência n.º 13/14. Não obstante a questão que se coloca no presente recurso ser diversa daquela à qual respondeu a decisão uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça, desde logo porque não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a interpretação a dar à lei ordinária, tem interesse conhecer a fundamentação em que aquela assentou: «(…) Tem-se entendido que à omissão da documentação em ata das declarações oralmente prestadas em audiência deve ser equiparada a documentação de tal forma deficiente que impeça a captação do sentido das declarações gravadas, pois, em tal caso, é como se não tivesse havido registo do depoimento. É deficiente a documentação que não permita ou impossibilite a captação do sentido das palavras dos decla- rantes. Deve, pois, considerar-se que também constitui a nulidade prevista no artigo 363.º uma documentação que não satisfaça a finalidade visada pela norma que é, justamente, a de permitir impugnar perante um tribunal supe- rior a decisão proferida sobre matéria de facto. (…) Não se tratando de nulidade elencada no artigo 119.º nem sendo expressamente classificada como insanável, pela própria norma, a nulidade prevista no artigo 363.º é, pois, uma nulidade sanável que deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina dos artigos 120.º e 121.º
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