TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
327 acórdão n.º 291/17 Sendo essa uma das suas finalidades, ela coexistia com outras, porventura mais proeminentes, como fossem a necessidade de permitir ao tribunal de julgamento e aos sujeitos processuais, especialmente nos casos mais complexos, avivar a memória sobre a prova já produzida ou preparar a prova ainda por produzir, ou até mesmo permitir à comunidade verificar se o tribunal decidiu em conformidade com a prova. A evolução legislativa neste domínio, operada sucessivamente pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto e, mais recentemente, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, reconfigurou em grande medida a matéria relativa ao recurso sobre a matéria de facto. O recente Acórdão n.º 118/17 do Tribunal Constitucional traçou tal evolução, em termos que importa reproduzir: «A Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, não alterou a redação daquele preceito, mas introduziu alterações importan- tes no regime dos recursos, designadamente quanto à possibilidade de recorrer para o Tribunal da Relação quanto à decisão sobre a matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo (entendimento que estabilizou nos tribunais a partir do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, do STJ, que a fixou nos seguintes termos: “[a]pós as alterações ao Código de Processo Penal, introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, em matéria de recursos, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo”). 3.1. A generalização, nos tribunais, dos meios técnicos necessários à gravação áudio (conjugada com a abertura da via do recurso para o Tribunal da Relação em matéria de facto das decisões de qualquer tribunal, a partir das alterações introduzidas em 1998) conduziu a um certo reposicionamento interpretativo da norma relativa à docu- mentação da prova: de regra de pendor tendencial, transformou-se em regra geral. Neste contexto, e uma vez que a redação do artigo 363.º do CPP emergente do Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (transcrita no começo do parágrafo anterior), não cominava expressamente a falta de documentação como nulidade, verificou-se uma divergência jurisprudencial quanto ao respetivo regime, designadamente se a irregularidade afetava o valor do ato praticado, só podendo ser sanada com a realização de novo julgamento, ou se, sendo insuscetível de ser conhecida oficiosamente, devia ser arguida, sob pena de se considerar sanada. Esta dúvida veio a ser superada pelo acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2002, do STJ, que fixou o entendimento segundo o qual “[a] não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123.º, do mesmo diploma, pelo que uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer”. Este regime obrigava os sujeitos processuais (incluindo o arguido) a suscitar a irregularidade decorrente da falta de documentação da prova na própria audiência, sentido normativo que o Tribunal Constitucional veio a apreciar no Acórdão n.º 208/03, no qual se decidiu não julgar inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 123.º e 363.º do CPP que se traduz em considerar que a omissão de documentação das declarações orais prestadas em audiência perante o tribunal coletivo constitui mera irregularidade, que deve ser invocada até ao final da audiência. (…) 3.2. A Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, alterou a redação do artigo 363.º do CPP, ali se passando a prever que “[a]s declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade” (sublinhado acrescentado). O regime de tal nulidade também suscitou dúvida, encontrando-se, até 2014, decisões dos tribunais superiores no sentido de a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal dever ser arguida perante o tribunal de primeira instância, sob pena de sanação, e outras segundo as quais a mesma nulidade poderia ser arguida, em recurso, perante o Tribunal da Relação. Foi esta dúvida solucionada pelo já referido acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 13/2014 do STJ (publicado no Diário da República , 1.ª série, n.º 183, de 23/09/2014), segundo o qual “[a] nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=