TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

320 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL criminal assegure todas as garantias de defesa não se mostra incompatível, prima facie , com a imposi- ção de ónus processuais, designadamente ao arguido. IV – Embora se deva reconhecer que, no momento temporal em que o ónus impende sobre o arguido – ou sobre qualquer outro sujeito processual – este não tem um interesse atual no exercício do direito ao recurso sobre a matéria de facto, tal não se afigura fundamento suficiente para considerar que o mesmo onera de forma excessiva e intolerável o exercício do direito ao recurso; a existência desse interesse atual não tem por efeito diminuir a exigência pressuposta na observância do ónus processual assinalado, não implicando qualquer redução objetiva dos meios humanos e materiais implicados no controlo da regularidade da gravação. V – Embora a norma em causa imponha ao arguido um ónus cuja observância pode vir a revelar-se inútil, não é menos verdade que, antes do conhecimento da decisão final, já existe um interesse potencial em incorrer nesse ónus; a exigência constitucional de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não é incompa- tível com um regime de preclusão associado ao estabelecimento de ónus de arguição temporalmente delimitada de determinados vícios in procedendo , ainda que inimputáveis aos sujeitos processuais que pelos mesmos podem vir a ser negativamente afetados; o que a ordem constitucional impõe é que se alcance um equilíbrio entre os interesses individuais dos sujeitos processuais, designadamente os direitos de defesa do arguido, e o interesse geral numa justiça penal eficaz e célere, em suma, o que se exige é proporcionalidade entre o ónus imposto ao arguido e a finalidade de interesse geral prossegui- da através dessa imposição. VI – O vício em causa – a falta ou deficiente gravação das declarações prestadas em audiência de julga- mento – é sanável, efetuando-se tal sanação através da repetição das declarações não adequadamente registadas; porém, essa forma de sanação é naturalmente imperfeita, e o grau de imperfeição é pro- porcionalmente maior quanto mais diferido for o momento da repetição da prova, de onde decorre que o excessivo diferimento da possibilidade de arguir a nulidade em causa contende, desde logo, com o próprio princípio do direito à prova, entendido numa dimensão objetiva, com o sentido de que o processo criminal e o interesse geral que o mesmo prossegue exigem mecanismos que propiciem a obtenção de uma prova tendencialmente genuína, apta a permitir a representação tão fidedigna quan- to possível da verdade material. VII – Por outro lado, tal diferimento da arguição de nulidade também contende com a própria exigência, estabelecida no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, de que o arguido seja julgado no mais curto espaço de tempo possível; se a esta imposição corresponde essencialmente um direito do próprio arguido, ela não deixa de compreender também uma dimensão objetiva, na medida em que a justiça penal preenche finalidades constitucionalmente valiosas de salvaguarda dos direitos dos cidadãos, de garantia da paz social e de legitimação do Estado de direito democrático, tanto bas- tando para concluir que a imposição do ónus em causa não constitui uma medida legislativa excessiva, correspondendo antes a uma ponderação razoável dos interesses relevantes.

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