TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
316 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No processo que deu origem ao Acórdão n.º 674/16, a questão da “insuficiência económica” começou por ser referida pela sociedade arguida, que invocou, na impugnação judicial, que “[…] o efeito meramente devolutivo […] decorrente do n.º 4 do artigo 84.º da LdC, agravaria a delicada situação financeira da recor- rente”, mas esse “elemento” não integrou a recusa de aplicação da norma pelo tribunal de primeira instância, nem sequer foi referida pela sociedade arguida nas contra-alegações que apresentou. No Acórdão, foi tal (aparente) dimensão considerada com os fundamentos seguintes: “[…] 6. Nas alegações que apresentou neste Tribunal, o Ministério Público afastou do objeto do presente recurso «a questão da (in)exigibilidade de prestação de caução, em vista da insuficiência de meios do visado», entendendo que o processo não comporta essa «hipotética dimensão normativa». Não se vê, todavia, razão para uma tal exclusão. Desde logo, ela não se encontra enunciada na delimitação feita no tribunal recorrido da norma cuja aplicação recusou. No entendimento daquele tribunal, o efeito suspensivo do recurso da decisão da Autoridade da Concor- rência que aplica uma coima está necessariamente condicionado à alegação e demonstração de um prejuízo consi- derável e sempre dependente da prestação de caução do mesmo valor. Daqui resulta que, independentemente de o visado ter ou não condições financeiras para tal, apenas poderá recorrer de uma decisão administrativa se prestar caução de igual valor. Esta interpretação remete a questão de inconstitucionalidade identificada, entre outros fun- damentos, também para a circunstância de não haver um momento ou espaço de ponderação judicial, na definição do efeito do recurso. Uma tal interpretação inviabiliza necessariamente o acautelamento de eventual insuficiência económica do arguido. Assim, a fundamentação do tribunal a quo objeto do presente recurso passa por um juízo negativo formulado sobre a possibilidade de ponderar a situação económica do recorrente. Para além disso, a recorrente, perante o tribunal a quo, alegou que «o efeito meramente devolutivo (…) decor- rente do n.º 4 do artigo 84.º da LdC, agravaria a delicada situação financeira da recorrente», pelo que não se pode considerar estar perante uma mera questão hipotética. Deste modo, o objeto do recurso de constitucionalidade não pode deixar de abranger a norma extraída do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da LdC, segundo a qual a impugnação interposta de decisões da AdC que apliquem coima tem, em regra, efeito devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição, no prazo fixado pelo tribunal, inde- pendentemente da sua disponibilidade económica. […]” Concluiu-se, no Acórdão n.º 674/16, que a norma em causa não acarretava violação do princípio da presunção de inocência, à semelhança do entendimento perfilhado, a esse respeito, no Acórdão n.º 376/16. Entendendo-se que, no caso, ocorria uma restrição do direito de acesso à via judicial, previsto no artigo 20.º da CRP, questionou-se, então, se tal restrição respeitava o princípio da proporcionalidade, para concluir que a solução legislativa restringia de forma desproporcionada – rectius , desnecessária e para além da justa medida – para salvaguarda do fim visado (ao contrário do decidido no Acórdão n.º 376/16, no qual se entendeu que não ocorria, sequer, uma restrição relevante da garantia prevista no artigo 20.º da Constituição: “[…] não questionando que o arguido em processo de contraordenação tem, por força das normas conjugadas dos arti- gos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição, o direito de impugnar judicialmente a decisão administrativa contra si proferida, não se afigura que o regime consagrado no artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei da Concorrência, constitua, só por si, um obstáculo ao efetivo exercício desse direito”. Ora – e este ponto é determinante – mesmo antes de considerar o argumento da insuficiência económica, já no Acórdão n.º 674/16 se havia concluído pela restrição desproporcionada da garantia prevista no artigo 20.º da CRP (pontos 21. e 22. da fundamentação), o que evidencia que é ali, fundamentalmente, o ponto de corte com o Acórdão n.º 376/16, apresentando-se o eixo do juízo diverso aquém (e independentemente)
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