TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tribunais administrativos a competência para conceder a autorização judicial para a execução de obras de urbanização por terceiros e para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários munici- pais”. Esta alteração, justificada pela necessidade de ultrapassar o juízo de inconstitucionalidade orgânica que o Tribunal Constitucional fez recair sobre tal preceito legal, foi efetivada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro. Note-se que o preceito do n.º 2 do mesmo artigo 95.º escrutinado no Acórdão, não foi alvo de alteração, mantendo a sua redação originária. A meu ver, não resulta da nova lei de autorização a sanação do vício da inconstitucionalidade orgânica determinado pelo Acórdão n.º 195/16, porquanto naquela nada se refere no que respeita à admissibilidade de restrições ao direito à inviolabilidade do domicílio, por força da realização de inspeções destinadas a sindi- car a conformidade das operações urbanísticas e a prevenção de perigos para a saúde e segurança das pessoas. Por assim entender, afastei-me do entendimento, adotado no Acórdão, que ao postular a indissociabilidade entre a determinação legal da competência jurisdicional para a emissão deste concreto tipo de mandato e a natureza do mesmo, adota uma verdadeira extensão implícita da lei de autorização. De facto, o Acórdão defende que a Lei n.º 100/2015, ao autorizar o Governo a atribuir a competência aos tribunais administrativos para a emissão do mandato em causa (que mereceu consagração no n.º 3 do artigo 95.º do RJUE), referindo também o seu tipo/fim, está necessariamente a legitimar a invasão do domi- cílio. Noutras palavras, o Acórdão, socorrendo-se de um processo de inferência lógica, justifica a conformi- dade constitucional da previsão do n.º 2 do artigo 95.º do RJUE, não abrangida pela nova lei de autorização, com a alteração, legitimada pela mesma lei, do n.º 3 do referido artigo. Ora, pelo facto de a lei autorizar que se defina o tribunal competente para emissão do mandato, tal não significa que com isso se possa considerar, por inferência, estar autorizada a invasão do domicílio (como se decidiu, também, na Decisão Sumária n.º 724/16). Em matéria de direitos, liberdades e garantias, em ques- tão de tamanha sensibilidade, o legislador podia, querendo, ter previsto com clareza e determinabilidade a alteração ao n.º 2 do artigo 95.º do RJUE. Mas não o fez. O objeto, sentido e extensão das leis de autorização devem ser explícitos e articuladamente densificados quanto às específicas matérias a tratar pelos decretos-lei autorizados, sob pena de se traduzirem em cheques em branco, não se bastando, por isso, com meros juízos de inferência lógica.   Ao contrário do Acórdão, defendo que existe uma efetiva autonomia entre a atribuição de competência a determinada entidade para a emissão do mandato (regime adjetivo) e a previsão e regulação do mesmo (regime material). Apesar da aparente conexão entre as duas matérias, a verdade é que elas não são interde- pendentes, pelo que a legitimação da previsão do mandato que implique a restrição do direito à inviolabi- lidade do domicílio, não encontrando respaldo na Lei n.º 100/2015, padece de inconstitucionalidade por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Por estas razões não acompanhei o sentido decisório do Acórdão. – Catarina Sarmento e Castro. DECLARAÇÃO DE VOTO  Votei vencido por considerar que a solução que fez vencimento em relação à norma do n.º 2 do artigo 95.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) atenta contra a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa nos termos já assinalados no Acórdão n.º 195/16. Adiro assim à solução adotada na Decisão Sumária n.º 724/16, que considerou que a Lei de Autorização n.º 100/2015, de 19 de agosto, não habilitou o Governo a legislar em matérias conexas com o direito à inviolabilidade do domicílio, não sanando a inconstitucionalidade orgânica que inquinava aquela norma. A argumentação que fez vencimento no Acórdão centra-se na ideia de que, ao autorizar o Governo a legislar sobre o Tribunal competente para emitir o mandato indispensável à entrada no domicílio, autoriza ao

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=