TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017

302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tribunais Administrativos para os processos urgentes, mandado judicial. A norma, com a respetiva previsão e estatuição completas, seria, nos dois casos, a mesma. Esta possibilidade – e muitas outras haverá – comprova a unidade teleológica e jurídico-material entre os preceitos em causa. A Assembleia da República não pode autorizar que se legisle no sentido de atribuir a competência para emitir o mandado judicial em causa aos tribunais administrativos – matéria relevante nos termos da alínea p) do artigo 165.º, n.º 1, da Constituição – sem necessária e simultaneamente autorizar, na sequência da emissão desse mandado, a entrada no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, e no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais no âmbito do RJUE – matéria relevante nos termos da alínea b) do artigo 165.º, n.º 1, da mesma Lei Fundamental. Com efeito, o que justifica a necessidade de emissão de tal mandado judicial é a proteção da inviolabilidade do domicílio, a que a Constituição reconhece a natureza de direito de liberdade sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias. 7. Outro aspeto a considerar prende-se com a eventual violação pela norma desaplicada pelo tribunal a quo de outros parâmetros constitucionais. Na verdade, compete a este Tribunal «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, dada a proibição de qualquer tribunal aplicar nos feitos submetidos ao seu julgamento normas que infrinjam o disposto na Constituição, compreende-se que a intervenção do Tribunal Constitucional ocorra em via de recurso, pressupondo uma prévia decisão sobre a questão da inconstitucionalidade por parte do tri- bunal recorrido. Esta conformação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade – apreciação da constitucionalidade (e, em certos casos, também da ilegalidade) de normas jurídicas aplicadas por outros tribunais, não obstante a sua constitucionalidade ter sido questionada, ou recusadas aplicar pelos mesmos, com fundamento em inconstitucionalidade (cfr. o artigo 79.º-C da LTC) – tem, desde logo, dois tipos de consequências, assim destacadas por Cardoso da Costa (“Jurisdição Consti- tucional e Jurisdição Comum: Cooperação ou Antagonismo?” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 193 e seguintes, pp. 202-203): –   «[A] tutela ou garantia contenciosa da conformidade constitucional – nomeadamente sob o ponto de vista do respeito pelos direitos fundamentais – de outros atos ou situações jurídicas fica exclusivamente confiada à responsabilidade dos tribunais comuns […] E será designadamente assim quanto às próprias decisões judiciais em si mesmas consideradas – é dizer, no tocante a essas decisões quando a questão da sua conformidade com a Constituição não tenha a ver e não dependa da constitucionalidade da norma ou normas jurídicas que as suportam ou de que fazem aplicação»; –   [Q]uando o Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se, em via de recurso, sobre certa norma […], o seu juízo vai afinal incidir, não sobre uma norma cujo sentido ele tem direta e primariamente de estabelecer, e antes, sobre a norma com o sentido e alcance que foram pré-definidos pela decisão de um outro tribunal [, pelo que] a sua apreciação e a sua decisão não têm de respeitar necessariamente à norma on its face e em toda a sua dimensão, mas bem podem (e devem) muitas vezes circunscrever-se a uma sua certa interpretação – sendo só essa interpretação (a estabelecida pelo tribunal recorrido) que o Tribunal, consoante o que sobre ela vier a entender, avalisará ou cassará».  In casu verifica-se, por um lado, que a decisão recorrida se limitou a uma desaplicação da norma do artigo 95.º, n.º 2, do RJUE por razões estritamente orgânico-formais, em resposta à exceção deduzida pelo requerido, ora recorrido, sem ter iniciado a operação de interpretação tendente à fixação do seu sentido material. Significa isto que, caso o Tribunal Constitucional procedesse agora a um cotejo da norma em causa com parâmetros constitucionais materiais, teria de ser ele a estabelecer direta e primariamente o sentido de

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