TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 99.º volume \ 2017
301 acórdão n.º 271/17 Tal indissociabilidade aparece expressa – aliás, desde a redação originária do artigo 95.º do RJUE – mediante a referência no n.º 3 desse artigo 95.º ao «mandado previsto no número anterior». 6. De qualquer modo, e independentemente deste aspeto formal, certo é que o artigo 4.º, alínea b) , da Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, pré-determina a orientação político-jurídica e o sentido material da alteração consagrada pelo Governo no artigo 95.º, n. os 2 e 3, do RJUE, com a redação dada pelo Decreto- -Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro: o conteúdo normativo desta redação corresponde exatamente ao programa normativo ( Normprogramm ) estabelecido naquela lei de autorização legislativa. Com efeito, por via daquele preceito legal, o Governo ficou autorizado a cometer aos tribunais administrativos a compe- tência para conceder mandado para entrada em domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais. Como salienta a doutrina, «não é obrigatório, naturalmente, que a autorização contenha um projeto do futuro decreto-lei (como acontece com as autorizações de decretos legislativos regionais)» (assim, vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação XXVIII ao artigo 165.º, p. 337). E mesmo que o Governo faça acompanhar a proposta de lei de autorização de um anteprojeto do decreto-lei a aprovar, a verdade é que o mesmo, «ao contrário das Assem- bleias, não [fica] vinculado a simplesmente reproduzir o texto apresentado» (assim, vide Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 343; quanto às autorizações legislativas a conceder às Assembleias Legislativas das regiões autónomas, cfr. o artigo 227.º, n.º 2, da Constituição). Na verdade, o regime constitucional dos limites materiais e formais quanto às autorizações legislativas e aos decretos-leis autorizados consignado nos n. os 2 a 5 do artigo 165.º da Constituição não atribui qualquer relevância à estrutura e organização interna dos diplomas. Como sublinha Jorge Miranda: «[A] autorização legislativa [não] se traduz numa imposição ao Governo para legislar. Por sua iniciativa, o Governo recebe um poder, não um dever. Órgão de soberania distinto do Parlamento, exercerá quando entender (no âmbito temporal da autorização) ou não exercerá esse poder, com a liberdade inerente à função legislativa; tal como, querendo aproveitá-la, não é obrigado a usá-la em toda a sua extensão. Ao legislar precedendo autorização, o Governo, sem dúvida, exerce uma competência sua, não exerce uma competência alheia (ou uma competência alheia em nome próprio); não é um mandatário do Parlamento (ou um representante do Parlamento para esse fim). No entanto, não se trata de um poder que o Governo já possuísse, um poder como qualquer outro, um poder equivalente ao de fazer decretos-leis simplesmente: a Constituição distingue com toda a nitidez [alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 198.º]. É no âmbito complexo da Constituição e da lei de autorização que esse poder do Governo surge – e que surge como poder, por consequência, condicionado, derivado e mediato» (Autor cit., ob. cit. , p. 341) À luz da autonomia inerente ao exercício da função legislativa do Governo, que não é anulada pelo exer- cício da competência legislativa autorizada, não se afigura que à referência ao n.º 3 do artigo 95.º do RJUE constante da Lei n.º 100/2015 seja de atribuir outro significado que não o instrumental de indicar a sedes materiae no âmbito do RJUE objeto da autorização legislativa. Assim, nada impediria que o Governo, em vez de conservar a referência expressa no n.º 3 do artigo 95.º do RJUE ao «número anterior» – isto é, ao artigo 95.º, n.º 2, do RJUE, onde se estabelece que o mandado judicial a conceder pelo tribunal mencionado no artigo 95.º, n.º 3, do mesmo diploma, se destina a permitir «a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento», para verificar se as atividades sujeitas a fiscalização nos termos do RJUE aí desenvolvidas são ou não ilegais –, fundisse estes dois números num só prevendo o seguinte: sempre que seja necessário entrar no domicílio de pessoa que não dê o seu consentimento, e no qual se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização por parte de funcionários municipais, deve o presidente da câmara municipal, previamente, requerer junto dos tribunais administrativos e segundo os termos previstos no Código de Processo nos
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